Objectivo do Blog

Sou mãe de uma menina que nasceu em 2009, o meu maior tesouro!
A minha filha apresenta comportamentos um pouco diferentes do comum para a idade, compatíveis com a Perturbação do Espectro Autista.

Este blog tem como objectivo a troca de informações com pais que estejam em situação semelhante.
Juntos encontraremos mais respostas pras nossas dúvidas e poderemos obter uma ideia melhor da evolução esperada para cada caso. Participem!

Artigos


SÍNDROME DE ASPERGER
síndrome de Asperger ou o transtorno de Asperger ou ainda Desordem de Asperger (código CIE-9-MC: 299.8) é uma síndrome que está relacionada com o autismo, diferenciando-se deste por não comportar nenhum "atraso ou retardo global no desenvolvimento cognitivo ou de linguagem".
O termo "síndrome de Asperger" foi utilizado pela primeira vez por Lorna Wing em 1981 num jornal médico, que pretendia desta forma honrar Hans Asperger, um psiquiatra e pediatra austríaco cujo trabalho não foi reconhecido internacionalmente até a década de 1990. A síndrome foi reconhecida pela primeira vez no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, na sua quarta edição, em 1994 (DSM-IV).
Alguns sintomas de Asperger são: dificuldade de interação social e empatia; interpretação muito literal da linguagem; dificuldade com mudanças, perseveração em comportamentos estereotipados. No entanto, isso pode ser conciliado com desenvolvimento cognitivo normal ou alto. É mais comum no sexo masculino. Quando adultos, podem seguir uma profissão, casar-se, e até mesmo, há indivíduos com Asperger que se tornam professores universitários.
O SA é caracterizada por:
·               Interesses específicos ou preocupações com um tema em detrimento de outras actividades;
·               Rituais ou comportamentos repetitivos;
·               Peculiaridades na fala e na linguagem;
·               Padrões de pensamento lógico/técnico extensivo (às vezes comparado com os traços de personalidade do personagem Spock de Jornada nas Estrelas);
·               Comportamento socialmente e emocionalmente impróprio e problemas de interação interpessoal;
·               Problemas com comunicação não verbal;
·               Transtornos motores, movimentos desajeitados e descoordenados.
·               Dificuldade em ler as mensagens sociais e emocionais dos olhares - portadores de SA geralmente não olham nos olhos, e quando olham, não conseguem "ler".
·               Interpretar literalmente - indivíduos com SA têm dificuldade em interpretar coloquialismos, ironia, gírias, sarcasmo e metáforas.
·               Ser considerado grosso, rude e ofensivo - propensos a comportamento egocêntrico, Aspergers não captam indirectas e sinais de alertas de que seu comportamento é inadequado à situação social.
·               Honestidade e ludibrio - portadores de Asperger são geralmente considerados "honestos demais" e têm dificuldade em enganar ou mentir, mesmo às custas de magoar alguém.
·               Aperceber-se de erros sociais - à medida que os Aspergers amadurecem e se tornam cientes de sua "cegueira emocional", começam a temer cometer novos erros no comportamento social, e a autocrítica em relação a isso pode crescer a ponto de se tornar fobia.
·               Paranóia - por causa da "cegueira emocional", pessoas com SA têm problemas para distinguir a diferença entre atitudes deliberadas ou casuais dos outros, o que por sua vez pode gerar uma paranóia.
·               Lidar com conflitos - ser incapaz de entender outros pontos de vista pode levar a inflexibilidade e a uma incapacidade de negociar soluções de conflitos. Uma vez que o conflito se resolva, o remorso pode não ser evidente.
·               Consciência de magoar os outros - uma falta de empatia em geral leva a comportamentos ofensivos ou insensíveis não intencionais.
·               Consolar os outros - como carecem de intuição sobre os sentimentos alheios, pessoas com AS têm pouca compreensão sobre como consolar alguém ou fazê-los se sentirem melhor.
·               Reconhecer sinais de enfado - a incapacidade de entender os interesses alheios pode levar Aspergers a serem incompreensivos ou desatentos. Na mão inversa, pessoas com SA geralmente não percebem quando o interlocutor está entediado ou desinteressado.
·               Introspecção e auto-consciência - indivíduo com SA têm dificuldade de entender os seus próprios sentimentos ou o seu impacto nos sentimentos alheios.
·               Vestimenta e higiene pessoal - pessoas com SA tendem a ser menos afectadas pela pressão dos semelhantes do que outras. Como resultado, geralmente fazem tudo da maneira que acham mais confortável, sem se importar com a opinião alheia. Isto é válido principalmente em relação à forma de se vestir e aos cuidados com a própria aparência.
·               Amor e rancor recíprocos - como Aspergers reagem mais pragmaticamente do que emocionalmente, as suas expressões de afecto e rancor são em geral curtas e fracas.
·               Compreensão de embaraço e passo em falso - apesar do facto de pessoas com SA terem compreensão intelectual de constrangimento e gafes, são incapazes de aplicar estes conceitos no nível emocional.
·               Lidar com críticas - pessoas com SA sentem-se forçosamente compelidas a corrigir erros, mesmo quando são cometidos por pessoas em posição de autoridade, como um professor ou um chefe. Por isto, podem parecer imprudentemente ofensivos.
·               Velocidade e qualidade do processamento das relações sociais - como respondem às interacções sociais com a razão e não intuição, portadores de SA tendem a processar informações de relacionamentos muito mais lentamente do que o normal, levando a pausas ou demoras desproporcionais e incômodas.
·               Exaustão - quando um indivíduo com SA começa a entender o processo de abstração, precisa treinar um esforço deliberado e repetitivo para processar informações de outra maneira. Isto muito frequentemente leva a exaustão mental.
Fonte aqui



ENTREVISTA AO DR. PEDRO CALDEIRA DA SILVA

Perturbações da relação e da comunicação
Quando se lida com crianças com estas perturbações revela-se crucial ter expectativas positivas e estabelecer fasquias elevadas: é a única maneira de elas eventualmente conseguirem “chegar lá…”
Temos de lhes dar todas as oportunidades possíveis para as ajudar a desenvolverem-se”, diz peremptório, Pedro Caldeira da Silva, pedopsiquiatra, chefe de serviços hospitalar, chefe de equipa da Unidade de Primeira Infância do Hospital D. Estefânia e coordenador de um grupo que trabalha um programa de intervenção intensiva para crianças com perturbações da relação e da comunicação.
Segundo este especialista, tem-se verificado, desde que se começou a diagnosticar mais precocemente crianças que parecem ter um autismo, que esse diagnóstico se revela muito redutor, ou seja, não explica aquilo que se passa com a criança, sendo retirado apenas de um conjunto de sintomas com uma carga de doença crónica incurável de prognóstico fechado, grave e desvastador, e não tem em consideração tudo aquilo que hoje em dia se sabe sobre plasticidade cerebral.
E explica: “Em crianças pequenas nós preferimos não fechar os prognósticos e não fazer um diagnóstico tão redudor, descrevendo mais apropriadamente aquilo que se passa com a criança, e o que se passa são de facto dificuldades na relação com os outros e na comunicação, que podem ou não ser os primeiros sinais de uma doença autista ou alguma variante. Isto é, o que estamos mais habituados a ver nas crianças pequenas pode depois ter vários caminhos e evoluções”.
Na experiência de Pedro Caldeira da Silva, os pais chegam à consulta por volta dos dois anos e meio do seu filho com problemas, altura em que já constataram haver alterações (que podem aparecer desde bebés ou mais tarde). “Nesta idade obviamente que, em rigor, provavelmente já se consegue fazer um diagnóstico de autismo, mas isso só vai afectar negativamente o prognóstico e afecta as nossas expectativas em relação à criança e à nossa maneira de intervir”.
O sintoma mais evidente de que algo está mal com a criança é o atraso no desenvolvimento da fala (a criança chega aos dois anos ou mais e não diz nada). Mas para além da fala, refere este pedopsiquiatra, “observamos também que a vontade de comunicar está igualmente afectada, sendo um dos sinais mais frequentes o evitamento do olhar para a face humana, para os outros. Outros sinais mais discretos mas igualmente importantes são o facto de a criança não ter a competência de atenção conjunta, ou seja, não ser capaz de partilhar a atenção sobre um objecto, ou de apontar”.
No início, estas perturbações da relação e da comunicação podem confundir-se com outros quadros, entre os quais a surdez (pelo que é imperativo fazer um diagnóstico do estado da audição), a negligência grave ou a depressão grave da infância ou aquilo a que se chama de perturbações regulatórias (maneiras diferentes de reagir aos estímulos sensoriais).
Como se intervém?
Há várias filosofias de intervenção em relação às crianças com estas perturbações e qualquer delas se baseia na relação (contacto com outras pessoas), como por exemplo técnicas de intervenção interpessoais, quer seja por treino, quer seja por condicionamento comportamental, etc. A diferença está em que há técnicas de intervenção que usando a relação não a valorizam tanto mas sim o objectivo (aprender a estar sentada, a dizer “se faz favor”, a esticar a mão para pedir…) e técnicas que valorizam essencialmente o que se passa na relação, pois o objectivo é trazer a criança para ela, tentando torná-la mais moldável e adaptável, com capacidade para pensar e resolver problemas. “Na minha opinião, e sobretudo nas crianças pequenas, este é o modo de actuar que faz mais sentido”, observa Pedro Caldeira da Silva.
Integração numa escola regular
Os benefícios são vários, tanto para crianças com problemas como para as outras crianças e até para os adultos. Do ponto de vista da criança com dificuldades (e mesmo que essas dificuldades sejam muitas) o facto de estar integrada num ambiente de grupo em que haja outras da sua idade e adultos atentos e sensíveis permite-lhe oportunidades de interacção múltiplas que num ambiente segregado não tem; no fundo é estar incluída na “vida real”, indo aos poucos adaptando-se também às rotinas, etc. Há casos extremos em que essa adaptação não é bem conseguida e se a criança não estiver de facto a beneficiar com a integração, então será mais aconselhável frequentar um estabelecimento de ensino especial. Em relação às outras crianças também recolhem os seus benefícios, nomeadamente em termos de valores como a solidariedade, a compreensão do outro e a aceitação da diferença…
Fonte aqui
Acerca deste artigo foi aqui feito o seguinte comentário:

Sou supeita em falar, mas gosto bastante da abordagem do Dr. Pedro Caldeira. À cerca de 9 anos atrás recorri a ele com a minha filha de 2 anos e meio na altura e foi uma consulta fantástica. Longe estava eu de pensar que após muitos anos iria voltar a ouvir falar dele. Hoje quando amigas minhas me perguntam a quem devem recorrer respondo sempre Dr. Pedro Caldeira, pois sei que ele fará um excelente diagnóstico sem olhar para rótulos ou estereotipos.

Beijinho

Obrigada pelo comentário Cláudia e bem vinda ao meu cantinho, pelo que tenho lido realmente parece-me que o Dr. Pedro Caldeira é um excelente profissional!



PERTURBAÇÃO DA RELAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Perturbação da relação e da comunicação é a nomenclatura utilizada para uma desordem do espectro
do autismo que se manifesta durante a primeira infância. O diagnóstico aplica-se, sensivelmente, a partir dos 2 anos de idade e envolve, frequentemente, problemas nas seguintes áreas:
• Integração de sensações ou informação — a criança pode ser sub ou sobre reactiva à informação recebida através dos sentidos.
• Processamento de informação — a criança pode ter dificuldade na compreensão e organização da informação sensorial recebida.
• Planeamento e execução de respostas — a criança pode ter problemas em usar o seu corpo ou os seus pensamentos para responder à informação recebida.
Uma vez que pode haver sintomas comuns — sobretudo a tendência ao isolamento e a reduzida capacidade
de interacção — é importante fazer o diagnóstico diferencial entre as manifestações do espectro do autismo
e os seguintes quadros:
− perturbações ligadas a uma surdez
− estado depressivo
− carência relacional precoce e prolongada
− deficiência intelectual
Caso suspeite estar perante uma criança que apresenta muitos dos sinais citados, contacte os serviços de
Educação Especial, no sentido de ser realizada uma avaliação diagnostica e, se necessário, planeada uma
intervenção multidisciplinar.

Exemplos de comportamentos que os pais/educadores podem observar, por área/problema:
Relação e emoção:
• Tendência a evitar a interacção
• Dificuldade em prestar atenção ou estabelecer contacto visual com os outros
• Afirmações ou comportamentos repetitivos 
• Lacunas no brincar simbólico (“faz-de-conta”)
• Medos intensos de objectos ou eventos comuns Linguagem/comunicação
• Dificuldades em seguir instruções simples 
• Ecolália ou repetição do que foi acabado de dizer
• Ausência de linguagem
• Gritos monocórdicos sem aparente intenção comunicativa

Regulatória e sensório-motora:
• Dificuldade em lidar com mudanças no seu ambiente — exigência de imutabilidade.
• Evitamento de abraços ou toque ligeiro
• Não aponta e pode pegar na mão do adulto para lhe delegar a realização de uma acção 
• Objectos manipulados de forma pouco habitual:
- a criança toca-os ao de leve 
- cheira-os
- fá-los rolar de maneira repetitiva
- fá-los cair de maneira repetitiva 
• Gestos estereotipados:
- mexer os dedos em frente da cara, agitar antebraços e mãos de forma repetitiva
- andar em bicos dos pés 
• Comportamentos de “auto-estimulação”:
- rodar sobre si próprio
- abanar a cabeça
- baloiçar-se.

O diagnóstico baseia-se na presença, intensidade e frequência dos comportamentos acima citados. Contudo, embora duas crianças possam partilhar um diagnóstico comum, cada uma tem um padrão próprio
de desenvolvimento e funcionamento. A detecção destes “sinais de alerta”, nomeadamente por parte da comunidade educativa, permitiria uma intervenção mais atempada e, consequentemente, mais eficaz.
Uma intervenção nas idades mais precoces tem um enorme potencial preventivo, na medida em que as
dificuldades apresentadas pelas crianças pequenas estão muito dependentes da adequação do ambiente relacional às suas características particulares de reactividade, processamento sensorial, da linguagem e de planeamento motor.
Fonte aqui



A seguir apresento o artigo mais interessante e completo que encontrei, das centenas que já li, sobre as PEA, este médico é excepcional!
 (sublinhei algumas informações que achei interessantes).

Palestra do Dr. Christopher Gillberg:
1. O Professor Christopher Gillberg é médico, PhD, Professor de Psiquiatria Infantil e do
Adolescente nas Universidades de Gotemburgo (Suécia – Hospital Rainha Sílvia), de
Strathclyde (Inglaterra – Hospital Yorkhill), de Londres e de Bergen.

2. Transtornos do espectro do autismo:
Muito obrigado por me convidar para falar sobre os Transtornos do Espectro do Autismo.
Espero que vocês possam acompanhar a minha fala (ele apresentou em Inglês sem tradução
simultânea). Vou tentar ser o mais claro possível. Se vocês tiverem perguntas durante
a minha palestra, por favor sinalizem e perguntem. Ou, se preferirem, façam perguntas após a
minha apresentação. Vou falar sobre uma série de aspectos do autismo, variando dos
aspectos clínicos aos epidemiológicos, sobre fatores genéticos, ambientais e sobre bases
cerebrais do autismo. Terminarei com as minhas esperanças para o futuro: a compreensão
do autismo tem progredido muito nos últimos anos, o que aponta para um futuro promissor.
3. Características clínicas do Autismo
• Pelo menos 4 variantes clínicas do Transtorno do Espectro do Autismo (mônade,
díade ou tríade de deficiências sociais)
• Transtorno autístico ou Autismo infantil (Síndrome de Kanner) – uma com
regressão (20%) a outra sem regressão (80%)
• Transtorno de Asperger – Autismo de “Alto Funcionamento” (Síndrome de
Asperger)
• Transtorno Desintegrativo da Infância (Síndrome de Heller)
• Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (PDD-NOS)/
Autismo Atípico (outras condições com características semelhantes ao autismo)
• “Fenótipo amplo”: (Traços autísticos)
Há pelos menos 4 variantes clínicas do autismo. Frequentemente estas variantes são
descritas a partir da tríade de deficiências nas áreas social, de comunicação e de
comportamento, mas está a ficar cada vez mais difícil saber se todas as deficências que
compõem a tríade realmente aparecem em conjunto em todos os casos. Há casos de
problemas de comunicação social sem os problemas comportamentais, e há casos de
problemas comportamentais sem os problemas de comunicação social, e estão a crescer as
dificuldades em saber onde estão os limites do chamado “autismo”.
Mas as pessoas ainda aceitam quatro variantes clínicas de autismo: a primeira seria o
transtorno autístico ou autismo infantil ou a variante que Leo Kanner descreveu nos anos
1940. Mesmo essa variante do autismo não é uma variante do autismo. É um transtorno ou
tipo de problema que também pode ser subdividido em categorias. Por exemplo,
algumas pessoas dividem o autismo em casos de baixo funcionamento, casos de
funcionamento moderado e casos de alto funcionamento, e outras pessoas usam outras
subdivisões. Mas o que é interessante é que os casos de autismo de alto funcionamento que
estão a ser cada vez mais descritos na literatura e na prática clínica são provavelmente o
mesmo transtorno descrito por Hans Asperger em 1944 em Viena. As evidências de que os
casos de autismo de alto funcionamento seriam diferentes do que Hans Asperger descreveu
são muito pequenas.
Eu gostava de acentuar que chamar esse transtorno de autismo de alto funcionamento é
inadequado, porque o termo sugere que o autismo é de alto funcionamento, que o autismo é
leve, quando na verdade o que você está a querer denominar é uma pessoa de alto
funcionamento com autismo. Então, essa pessoa pode ter um bom QI ou uma boa
compreensão verbal ou uma boa expressão verbal, mas o seu autismo é normalmente tão
grave quanto o de uma pessoa descrita com autismo de baixo funcionamento. Por isso, por
favor: usem alto funcionamento para a pessoa, não para o autismo, de maneira a permitir
uma compreensão mais profunda de quão grave o autismo pode ser, mesmo para alguém
com Síndrome de Asperger.
Há uma desordem muito, muito rara, descrita muito antes de Kanner e Asperger terem
descrito as chamadas “síndromes”, que foi a descrita por Theodore Heller no início dos
anos 1900, que agora é normalmente conhecida como Transtorno Desintegrativo da
Infância. Essa desordem extremamente rara acontece quando há um desenvolvimento
normal até os 3 ou 4 anos de idade e então acontece uma regressão, que algumas vezes se
deve a desordens neurometabólicas subjacentes. Mas no nosso atual nível de compreensão
das desordens neurometabólicas, não há boas pistas sobre quais são os mecanismos
envolvidos na sua patogênese.
E, finalmente, há o chamado autismo atípico, que também não é um bom termo,
porque sugere que as pessoas são atípicas, não o autismo. Há pessoas com uma variante de
autismo que não podem ser descritas claramente como portadoras de autismo clássico ou
Síndrome de Asperger: há algumas características incomuns ou sintomas não usuais. Esses
casos têm sido considerados como um Transtorno Invasivo de Desenvolvimento Sem Outra
Especificação (em inglês PDD-NOS ou Pervasive Developmental Disorder Not Otherwise
Specified) nos manuais diagnósticos e que é um termo ainda pior, porque dá a impressão
que não há nada específico sobre esses sintomas, ou seja, essas pessoas têm algo parecido
com um transtorno de desenvolvimento que invade a totalidade do desenvolvimento da sua
personalidade. Mas isso normalmente não é verdadeiro nas pessoas que recebem esse
diagnóstico. Na verdade elas têm uma desordem na área de comunicação social, mas não
são globalmente transtornadas, ou seja, o termo não é apropriado. A adição de NOS (Sem
outra especificação), particularmente, é na verdade uma designação errônea e, portanto, não
usamos o termo PDD-NOS na maioria da Europa. Nós normalmente falamos sobre autismo
atípico ou condições autísticas. Eles estão provavelmente no mesmo conjunto de
transtornos, mas são levemente atípicos.
Cada vez mais se fala, nos estudos genéticos sobre autismo, sobre o fenótipo mais amplo,
isto é, sobre características muito leves que podem ser vistas em irmãos e irmãs de crianças
com autismo, que podem ser vistas também em pais ou em outros parentes dessas crianças.
E esses traços muitas vezes podem ser, de certa maneira, mais uma vantagem do que um
problema, como ser muito rigoroso, muito pedante, muito perfeccionista. Isto pode
ser uma vantagem para fazer pesquisas, por exemplo, e provavelmente há mais gente com o
fenótipo amplo do autismo nas comunidades de pesquisa científica, isto é, nas
universidades. Simon Baron-Cohen, por exemplo, fez estudos onde sugeria que os
matemáticos têm, muito frequentemente, traços autísticos, e alguns realmente enquadram-se
nos critérios de Síndrome de Asperger. Técnicos de computadores e pessoas ligadas à
informática muito frequentemente também estão no espectro amplo do autismo e
infelizmente eles muitas vezes têm filhos com transtornos do espectro do autismo. Esse
fenótipo autístico amplo, que vem sendo tão comentado, não está em nível de diagnóstico,
não pode ser considerado uma deficiência nem precisa intervenções, mas é importante para
entender o que está por trás do autismo.
4. Características clínicas: Autismo Infantil
• Início antes dos 3 anos de idade
• I. Comprometimento grave do desenvolvimento da interação social recíproca
• II.Comprometimento grave do desenvolvimento da comunicação recíproca,
afetando os domínios verbais e não-verbais
• III.Comprometimento grave do desenvolvimento da imaginação e da
variabilidade do repertório de comportamentos
Quais são as características clínicas do autismo? Bem, o que é aceito de maneira geral é que
a ampla maioria dos casos começa a apresentar sintomas muito antes dos 3 anos de idade, a
maioria tem problemas claros nos primeiros meses de vida, apesar de haver 1 em cada 3
casos que não apresentam grandes problemas antes dos 18, 20 a 24 meses de idade. Estes
casos normalmente tiveram sim, na minha experiência, alguns problemas antes dessas
idades. Mas é nesse momento que as pessoas começam a esperar que essas crianças
progridam muito em relação ao desenvolvimento da linguagem e em relação ao interesse no
seu entorno, e é quando as pessoas percebem que alguma coisa está a acontecer, por volta
dos 18 meses, “porque ele costumava ser mais acessível, agora ele está tão ausente, etc.”,
que as pessoas acabam por achar que tudo começou aos 18 ou 20 meses.
Há casos de autismo que começam claramente por volta dos 18 a 24 meses de idade, mas
esses casos normalmente estão associados tanto com epilepsia como com descargas
epileptogênicas subjacentes no eletroencefalograma, e poderiam estar no espectro da
Síndrome de Landau-Kleffner sobre a qual voltarei a falar.
Os três sintomas principais, que são uma espécie de marcadores para a presença do
autismo, são: prejuízo grave do desenvolvimento de interações sociais recíprocasprejuízo
grave do desenvolvimento da comunicação - não só a linguagem falada, mas também
expressões faciais, gestos, postura corporal, etc. E, finalmente, ocorre uma importante
limitação da variabilidade de comportamentos, de modo que as pessoas com autismo não
conseguem fazer muitas coisas. Eles não conseguem mudar o seu padrão de comportamento de
acordo com a situação social, vão-se comportar sempre à sua maneira: serão sempre eles
mesmos e não mudarão de acordo com as demandas sociais ou o ambiente social. Todos
concordam que esses sintomas devem estar presentes para que um diagnóstico seja feito e
que os problemas devem ser muito importantes.
No entanto, estudos recentes têm demonstrado que eles podem não acontecer em conjunto.
Os sintomas sociais e de comunicação realmente acontecem em conjunto, mas o terceiro
sintoma, a limitação do repertório de comportamentos pode não estar presente, mas ainda
assim haver os problemas de comunicação e sociais, o que gera alguma preocupação sobre
os limites do autismo, sobre o que é absolutamente específico sobre essa tríade de
problemas. Há algo realmente específico sobre essa tríade ou na verdade a forma mais
apropriada de considerá-los seria a de dois diferentes conjuntos de problemas que muitas
vezes se sobrepõem, mas algumas vezes não. Voltarei a esse ponto daqui a pouco.
5. Características clínicas: Autismo infantil
I. Deficiência social
• Falha no contato visual nas interações sociais
• Falha no desenvolvimento de interações com crianças da mesma idade
• Falta de reciprocidade sócio-emocional
• Ausência de procura espontânea de compartilhamento prazer
Os sintomas observados de deficiência social nas crianças com autismo são: falham no uso
de contato visual durante a interação socialsão incapazes de estabelecer relacionamentos
amistosos com colegas de acordo com sua idade e estágio de desenvolvimentocarecem da
reciprocidade sócio-emocional que se espera no desenvolvimento das criançasnão tentam
compartilhar espontaneamente as suas experiências ou sensações ou prazeresPor exemplo: se
a criança está feliz com alguma coisa, se está realmente interessada em algo, ela não vem
para outra pessoa e mostra aquilo (é como se elas não tivessem essa perspectiva). Elas não
pensam sobre o ponto de vista de outras pessoas e então não compartilham e também não
vêm buscar conforto ou aconchego – a maioria quando são muito pequenas.
6. Características clínicas: Autismo infantil
II. Deficiência na comunicação
• Ausência de linguagem falada
• Falha para manter conversação
• Discurso repetitivo, incluindo a ecolalia
• Ausência de brincadeiras sociais
Esses são os quatro sintomas da deficiência de comunicação. Apesar de haver crianças com
autismo que não falam nada, isso é muito raro, quero dizer, a grande maioria das pessoas
com autismo tem alguma linguagem e é bem provável que o autismo não tenha nada a ver
com o desenvolvimento da linguagem ou da fala em si. As pessoas com autismo não são
disfásicas: não têm um problema na produção de linguagem falada. Elas têm, sim, um
problema de comunicação: não entendem, quando são pequenas, qual a função da
linguagem e, portanto, falham em usar a linguagem para se comunicar. Mas a maioria
dessas pessoas consegue falar algumas palavras ou compreende algumas palavras; mesmo
aquelas classificadas como de baixo funcionamento, e que não falam, compreendem
palavras faladas por outras pessoas, mas somente palavras como substantivos e verbos, não
aquelas pequenas palavras que ligam as “peças” da língua. Nisso elas têm grandes
dificuldades.
Mesmo que tenham, e algumas realmente têm, boas habilidades linguísticas, não
conseguem usar essa linguagem para conversação. Então podem falar e falar e falar sobre
os seus interesses especiais, por exemplo, mas não conseguem manter uma conversa com
outra pessoa. Sempre que for conversar com elas, o interlocutor precisa ser uma espécie de
combustível para a conversa, senão não haverá novas informações ou questões, exceto
quando estão a colocar repetidamente as mesmas questões e só perguntam porque já
sabem a resposta para elas. Elas não entendem de verdade o sentido de fazer perguntas, que
é conseguir novas informações de outras pessoas. Pensam que fazer perguntas serve para
que as outras pessoas dêem a resposta certa. Por isso, podem fazer perguntas do tipo:
“Quando é que você vai embora?”, “Quando é que ela vai chegar?”, etc. mesmo sabendo a resposta. E
daí você pensa “Porque é que ela está a fazer essa pergunta o tempo todo quando de fato ela
sabe a resposta?”. Bem, isso é que é tão típico no autismo: eles só fazem perguntas quando 
sabem a resposta. Não entendem que o que motiva a questão é a necessidade de uma nova
informação e, portanto, não fazem perguntas do tipo “O que vai acontecer hoje à tarde?” se
não sabem o que é. Só se eles souberem o que vai acontecer é que eles perguntam.
As pessoas com autismo têm uma fala muito repetitiva, incluindo enormes quantidades de
ecolalia. Repetirão o que ouviram pessoas a falar e pode, algumas vezes, no grupo de alto
funcionamento, ser muito difícil entender se é realmente ecolalia, pois soa muito
apropriado, exatamente o que deveria ser dito naquela situação. Mas alguém que conheça
bem a pessoa notará que são exatamente as mesmas palavras e exatamente a mesma frase
que ela usou ontem ou centenas de vezes na sua vida em situações semelhantes. Soa
apropriado, mas não é apropriado porque não pode ser mudado. É o mesmo tipo de coisa
que ele ouviu alguém dizer na mesma situação.
Finalmente, há a brincadeira social, elas não brincam socialmente com as coisas ou com
pessoas. Brincam com seus carrinhos ou bonecas e água e areia, mas não o fazem na forma
social. Podem se concentrar em fazer alguma coisa, mesmo junto com outras crianças.
Podem sentar-se junto com outras crianças e fazer as mesmas coisas, mas normalmente não
vão interagir a partir disso.
7. Características clínicas: Autismo infantil
III. Deficiências de comportamento
• Preocupação circunscrita a um interesse especial
• Dependência compulsiva de rotinas
• Estereotipias motoras
• Preocupação com partes de objetos
As pessoas com autismo podem ter a sua atenção circunscrita a um interesse especial ou ficar
compulsivamente ligadas a determinadas rotinas, e necessitam que aquela rotina seja
seguida no mesmo horário do dia, exatamente no mesmo local e com as mesmas pessoas.
Não conseguem escovar os dentes, por exemplo, a não ser naquela determinada casa de banho.Noutra casa de banho não seriam capazes de o fazer porque nunca o fizeram antes. Podem ter alguns comportamentos motores estereotipados que variam de agitar os dedos ou abanar as mãos (flapping). Esse tipo de “flapping” não é visto em muitas outras condições médicas, apesar de que bebés bem pequenos, por volta de seis, sete, oito meses, quando estão muito empolgados, possam fazê-lo. Mas para as pessoas com autismo isso continua a ser feito por muitos anos. Mesmo uma criança com autismo de alto
funcionamento poderá apresentar esse comportamento quando ficar muito empolgada.
Quando sabem que não deveriam ou que outras pessoas tenham dito “não faças isso”,
passam a fazer outras coisas, como contrair os músculos excessivamente. Esse tipo de
“flapping” e agitação dos dedos (“flicking”) são muito típicos. Eles também são
preocupados com partes dos objetos, ficam totalmente obcecados com determinados
aspectos, como a roda de um carro de brinquedo ou um pequeno detalhe de um livro ou
uma cor ou um pequeno pedaço de plástico ou alguma coisa do tipo.
8. Características clínicas: Autismo infantil (DSM-IV e CID-10)
• Algoritmo para diagnóstico de Autismo infantil
• Pelo menos 2 sintomas de I (Deficiência Social)
• Pelo menos 1 sintoma de II (Deficiência na Comunicação)
• Pelo menos 1 sintoma de III (Deficiência de Comportamento)
Para conseguir um diagnóstico de autismo é necessário haver sintomas nesses três
domínios: pelo menos dois sintomas dos aspectos sociais, pelo menos um de comunicação
e pelos menos um de comportamento, com um total de seis desses sintomas. E ainda mais
importante: essa pessoa precisa ser extremamente prejudicada por esses sintomas ou esses
sintomas precisam ser extremamente incapacitantes para que o diagnóstico possa ser feito.
Algumas pessoas realmente têm problemas similares leves, mas pode-se dizer que elas não
“cruzam” a linha do diagnóstico, porque não são gravemente incapacitadas por esses
problemas.
9. Características Clínicas: Autismo infantil (DSM-IV e CID-10)
• Tanto o DSM-IV como o CID-10 são problemáticos porque excluem e
desaconselham o diagnóstico de outras condições coexistentes com o
autismo (por exemplo: TDAH, Transtornos bipolar e psicótico)
• Desconsiderem esse critério!
Tanto o DSM-IV (Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders – Manual de
Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais – norte-americano) como o CID-10
(Classification of Diseases and Injuries – Classificação das Doenças e Injuries –
Organização Mundial da Saúde), que são os manuais diagnósticos mais usados no campo,
têm um problema que é excluir o diagnóstico de autismo se há qualquer outro tipo de
problema, tal como déficit de atenção ou as chamadas psicoses ou desordem bipolar. Eu
gostava de solicitar que este critério seja completamente desconsiderado, porque vem
a ser demonstrado em todos os estudos que analisaram esse aspecto que, ao contrário de
ocorrer isoladamente, o autismo está sempre associado a outras coisas. Por isso, se alguém
tem autismo, tem sempre alguma outra coisa. Pode ser algum transtorno cognitivo, como
retardo mental, ou epilepsia ou problemas de hiperatividade e desordem de atenção ou
depressão ou um problema visual ou auditivo. Não há uma criança com autismo que tenha
somente autismo. O autismo é sempre um sinal de que se deve procurar por outras coisas e
nunca uma coisa isolada. Por exemplo, 1 em cada 3 casos de autismo está associado à
epilepsia, mas Kanner, na sua primeira publicação, disse que o autismo não tinha nada a ver
com o cérebro, que não havia nada de errado com o cérebro dessas crianças e ainda assim
dois dos seus onze primeiros casos tinham epilepsia. E esse é apenas um exemplo de como
as pessoas compreenderam mal o autismo por um longo tempo.
10. Características clínicas: Síndrome de Asperger
• De acordo com os critérios do CID-10 e do DSM-IV(1993,1994) a Síndrome
de Asperger não existiria ou seria tão rara a ponto de não ter significância
clínica (Leekam et al 2000)
• Gillberg (1988) e Szatmari (1989) desenvolveram critérios dignósticos
baseados nas descrições do próprio Asperger
• Todos os casos de Síndrome de Asperger e autismo fazem parte do mesmo
espectro?
11. Características clínicas: Síndrome de Asperger
• A Síndrome de Asperger, de acordo com o CID-10/DSM-IV não é nada
além de autismo sem o critério II (Deficiência de Comunicação) e uma
garantia de que tudo estava bem até os 3 anos de idade
• Isso não é coerente com o que mostram a experiência clínica e as pesquisas
científicas
• Os casos descritos pelo prórpio Asperger não atingiriam os critérios para a
Síndrome de Asperger segundo CID-10/DSM-IV
A Síndrome de Asperger é muito mais problemática do ponto de vista do diagnóstico,
atualmente, que o autismo, porque ainda não há um acordo generalizado de quais critérios
devem ser usados para fazer esse diagnóstico. E tem havido muitos estudos que mostram que
os critérios publicados no DSM-IV e no CID-10 não são adequados, porque, primeiro, não
há crianças que alcancem esses níveis de critérios diagnósticos. O CID-10 e o DSM-IV
dizem que a criança deve ter tido um desenvolvimento normal até os 3 anos de idade. Isso
não é adequado, porque a grande maioria das crianças com a chamada “Síndrome de
Asperger” ou com a apresentação clínica do que chamamos de Síndrome de Asperger teve
alguma coisa estranha ou incomum no seu desenvolvimento nos seus três primeiros anos de
vida.
Lorna Wing e eu fizemos um estudo em Londres há cinco anos, no qual mostramos que
entre 200 pessoas encaminhadas com suspeita de autismo ou Sindrome de Asperger,
somente 3 puderam ser” “espremidas” dentro da categoria de desenvolvimento normal nos
primeiros 3 anos de vida e que somente 3 casos atingiriam os critérios do CID-10 para
Síndrome de Asperger. Mas conseguimos isso realmente fazendo força! Mas é impossível encontrar pessoas que estão dentro do espectro do autismo, e tenham tido desenvolvimento perfeitamente normal nos 3 primeiros anos de vida. Somente naqueles casos raros de Transtorno Desintegrativo da Infância, onde pode ocorrer desenvolvimento normal nessa fase, mas cuja ocorrência é 1 para 100.000.
Nós publicamos o primeiro conjunto de critérios diagnósticos para Síndrome de Asperger
em 1988. Asperger não publicou nenhum critério, só os históricos dos seus casos e listou
todos os sintomas de todos os pacientes e então tentou encontrar o que era comum em todos
eles e conseguiu uma lista de seis grupos de sintomas que lhes mostrarei num instante.
Atualmente existe uma preocupação em localizar os limites entre autismo e Síndrome de
Asperger e entre Asperger e outras coisas, e também se o autismo e a Síndrome de
Asperger são sempre manifestações de transtornos do espectro do autismo. Será que estas
duas condições estão sempre interligadas? A maioria das pessoas pensa que sim, mas há
alguns grupos que parecem considerar que pode ser que eles nem sempre pertençam ao
mesmo grupo de transtornos. Muito interessante é que os próprios casos de Hans Asperger
não atendem aos critérios do CID -10 e do DSM-IV para Síndrome de Asperger. Isso foi
mostrado em estudos cegos onde pessoas que desconheciam quem tinha descrito os casos
foram apresentadas às histórias dos casos de Asperger. Não sabiam que eram as descrições
do Asperger e foram solicitados (psiquiatras e psicólogos) a diagnosticar aqueles casos de
acordo com o DSM-IV e o CID-10. Nenhum dos casos de Asperger acabou
diagnosticado como Asperger, o que eu penso que contesta de maneira muito forte o uso
desses critérios.
12. Características clínicas: Síndrome de Asperger
• De acordo com Gillberg & Gillberg (1989 e 1991), baseado nas descrições
originais de Asperger:
• I. Comprometimento social – egocentrismo extremo
• II. Padrões restritos de interesse
• III. Rotinas e rituais
• IV. Peculiaridades de discurso e linguagem
• V. Problemas na comunicação não-verbal
• VI. Desajeitamento motor (É bem difícil traduzir clumsiness. Apesar do
termo informal, eu traduziria esse tópico assim: “Falta de coordenação
motora – pessoa ‘desengonçada’”)
Estes são os 6 sintomas que listamos em 1988 para conseguir um retrato clínico do que é a
Síndrome de Asperger. Deve haver uma deficiência social muito grave, dominada pelo que
poderíamos chamar de extremos de egocentrismo. Nós todos somos egocêntricos, mas
essas crianças são extremamente egocêntricas. Elas têm essa incapacidade de realmente
refletir sobre o ponto de vista das outras pessoas e é necessária muita firmeza para que
reflitam sobre o que as outras pessoas estão a pensar. Provavelmente, quando são muito
jovens, elas não têm capacidade nenhuma de empatizar com os pontos de vista de outras
pessoas.
13. Características clínicas: Síndrome de Asperger – social
• Ausência de amigos
• Pouca preocupação em ter amigos durante a infância
• Inadequação social e emocional
• Pouca empatia, a não ser que se explique que ele deve se envolver
- Pelo menos 2 das características acima
Esses são os sintomas sociais normalmente associados com a Síndrome de Asperger: as
crianças não têm amigos antes dos dez anos, preocupam-se muito pouco em ter amigos
nessa fase, mas podem ficar muito mais preocupadas à medida que crescem, quando
entendem que se espera que as pessoas tenham contatos sociais e amigos. E ficam
preocupadas porque se preocupam muito mais com normalidade que a maioria das pessoas.
Elas querem ser normais por um lado. Por outro lado, quando alguém lhes conta o que é a
normalidade, não querem ser daquele jeito porque lhes parece muito chato. “Você
realmente tem que estar com outras pessoas tanto assim e conversar e estar interessado
nelas, etc.?”
São muito inadequadas social e emocionalmente e mostram muito pouca empatia, a não ser
que lhes mostrem que precisam ficar preocupados. Mas isso muda à medida que crescem.
Então, muitas das crianças com Síndrome de Asperger, quando estão na adolescência,
realmente têm algumas habilidades de empatia, mas não tiveram desde muito pequenas
aquela espécie de treino de interação que as outras crianças tiveram desde o começo da
vida. Por isso podem chegar a ter boas habilidades de empatia do ponto de vista cognitivo,
mas não as usam de maneira intuitiva e muito rápida. E numa interação social você
precisa ser assim. Não é habitual voltar depois da interação social e dizer para as pessoas:
“Bem, depois de ter pensado, agora eu realmente entendi sobre o que vocês estavam a falar
e a sentir”. Isso até pode ser feito, mas a maioria das pessoas vai pensar “que estranho, por
que é que não me demonstrou isso no momento em que estávamos a interagir?” – por que nunca
foi treinada, quando era bem pequena, para o fazer rapidamente. Penso que essa é
provavelmente a razão de, mesmo tendo boas habilidades de empatia quando são mais
velhas, elas continuarem a não conseguir usá-las para interações rápidas e intuitivas.
14.Características clínicas: Síndrome de Asperger: interesses
• Exclusivos
• Padrões repetitivos
• Mais memorização mecânica do que compreensão no aprendizado
- Pelo menos 1 das características acima
As pessoas com Síndrome de Asperger sempre têm, de acordo com Asperger, um padrão
muito restrito de interesses. Só se interessam por uma ou poucas coisas. Esses interesses
podem mudar com o tempo. Alguns deles têm esses interesses muito restritos somente por
umas duas semanas ou dois meses e então mudam completamente para outra área. Mas
quando estão interessadas em determinado assunto, o interesse é muito intenso e elas têm
que ter, por exemplo, toda a coleção daqueles discos ou tudo que tiver a ver com aquele
interesse. E então de repente mudam e querem algo diferente. Mas outras pessoas
permanecem com o mesmo padrão de interesses por toda a vida. Interessam-se somente por
Porcelanas Chinesas ou Revolução Francesa e isto pode começar com 3 ou 4 anos de idade
e continuar pelo resto da vida.
15. Características clínicas: Síndrome de Asperger – Rotinas
• Impostas sobre ele mesmo
• Impostas sobre outros
- Pelo menos 1 das características acima
As pessoas com Síndrome de Asperger têm rotinas e rituais que você vê nos casos de
autismo clássico também. As rotinas podem ser impostas a eles mesmos ou sobre outras
pessoas, e normalmente a ambos, de forma que eles tenham que ter um conjunto específico
de rotinas, as quais normalmente elas exigem também das outras pessoas ou podem
começar com birras ou ficarem muito tristes.
16. Características clínicas: Síndrome de Asperger: fala
• Desenvolvimento atrasado
• Superficialmente perfeito
• Pedante
• Monótona ou anormal
• Dificuldade de compreensão, apesar da linguagem “perfeita”
- Pelo menos 3 das características acima
Têm peculiaridades no desenvolvimento da fala e de linguagem e podem falar um pouco
mais tarde, especialmente se comparados com seus irmãos e irmãs. Mas muito
frequentemente sabem como falar e poderiam ter falado antes de terem realmente
começado, e alguns deles começaram a ler antes de começar a falar. Isso não é muito
incomum. Por isso, quando os pais disserem que a criança já lia bastante tempo antes de falar,
isso normalmente é verdade e não deve ser duvidado. Aqui temos os sintomas típicos de
problemas de linguagem. Elas têm uma linguagem e discurso superficial perfeitos, mas
normalmente falam em tom monótono ou anormal. A prosódia pode ser muito monótona,
ou podem falar em tom muito alto. Alguns deles falam com voz muito aguda e soam muito
estranhos e outros podem falar em voz muito grave e também soar muito esquisito.
Normalmente tem alguma coisa estranha com seu volume de voz, ou com o seu tom ou
intensidade.
17. Características clínicas: Síndrome de Asperger: Não verbal
• Olhar anormal
• Linguagem corporal estranha
• Uso limitado da expressão facial
• Expressões faciais inadequadas
- Pelo menos 1 das características acima
Com respeito aos problemas de comunicação não verbal, Asperger salientou bastante o
olhar anormal, a maneira que algumas dessas crianças fixam o olhar no rosto do
interlocutor: não nos seus olhos e vizinhanças, mas normalmente na porção inferior da face.
Eles olham muito fixamente e o interlocutor pensa: “hummm, não gosto disso”, mas
eles não querem provocar essa reação. E sempre fazem isso, da mesma maneira: podem
olhar fixamente, olhar só para uma região do rosto ou podem ter aquele olhar arregalado.
Elas têm problemas muito grandes de comunicação não verbal, não mostram através da
face o que estão a sentir, não demonstram o que gostam. É uma espécie de cara de jogador
de Pôquer. Alguns deles sorriem o tempo todo e podem parecer que estão sempre felizes,
mas podem não estar; outros parecem cronicamente deprimidos, mas podem ser bem
felizes; acontecem, então erros de diagnóstico porque aparentam outra coisa. Normalmente
não mudam suas expressões faciais, usando muito pouco o seu rosto. Quando ficam mais
velhos têm uma espécie de rosto “pouco usado” ou “sem uso”, parecem muito mais jovens.
Quando são muito jovens parecem mais velhos que as outras crianças. Parecem uns
pequenos professores assim que nascem ou depois de poucas semanas de vida, e depois
quando têm 50 parecem que tem 30 porque não usaram o seu rosto. Não há rugas; muitos
deles não fizeram realmente nada com os seus rostos. Ou podem apresentar um olhar
arregalado porque alguém os treinou para encarar ou olhar para o interlocutor. Isso não é
necessariamente verdadeiro para todas as crianças com Síndrome de Asperger, mas é muito
comum que elas tenham expressão facial muito limitada e que esta varie muito pouco de
acordo com o que sentem ou o que acontece ao seu redor.
18. Características clínicas: Síndrome de Asperger – Desajeitamento
• História de desajeitamento motor (falta de coordenação motora – pessoa
“desengonçada”)
• Documentado no exame neurológico
- Pelo menos 1 das características acima
As crianças com Síndrome de Asperger têm desajeitamento motor (são desengonçadas).
Virtualmente todas elas têm alguma dificuldade motora. Podem ser muito boas em algum
aspecto particular do funcionamento motor, mas considerando todas as funções motoras,
falharão numa série de testes. Podem ter ao mesmo tempo falta de coordenação motora
grossa e falta de coordenação motora fina, mais frequentemente falta de coordenação
motora grossa. Por isso, quando andam, percebe-se alguma coisa estranha com o seu jeito.
Parecem ser desajeitadas mesmo quando têm excelentes habilidades motoras finas. A falta
de coordenação motora normalmente é documentada pelo histórico da criança. Mas se o
médico fizer um exame neurológico, verá que há alguns dos chamados sinais leves de
dificuldades motoras ou um desajeitamento geral.
19. Características clínicas: Transtorno desintegrativo
• Começa aos 3 anos – muito raro
As características clínicas de Transtorno Desintegrativo são as mesmas de autismo.
A diferença é que o desenvolvimento foi normal por 3 anos ou mais e então algo aconteceu
- a causa poderia ser epilepsia, um transtorno neurometabólico adjacente ou algo que ainda
não conhecemos no momento.
20. Características clínicas: Autismo atípico (PDD NOS)
• Sintomas similares, mas que alcançam os critérios para autismo infantil,
síndrome de Asperger ou transtorno desintegrativo
• Provavelmente “diagnosticado em excesso” nos EUA
• Autismo atípico não é diagnosticado tão freqüentemente no Reino Unido
como é o PDD NOS nos EUA?
A categoria PDD-NOS (Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem outra
Especificação) ou autismo atípico mostra características atípicas tanto em relação aos
sintomas quanto em relação ao começo das manifestações. Eu acredito e muitas pessoas
acreditam que essa categoria vem sendo diagnosticada em excesso nos Estados Unidos.
Muitas crianças com alguma esquisitice ou um desenvolvimento levemente anormal com
alguns problemas que precisam ser diagnosticados acabam por receber esse rótulo. E é
possível que o autismo atípico esteja subdiagnosticado no resto do mundo, e então hoje em
dia muito poucos casos recebem outro diagnóstico que não autismo ou Síndrome de
Asperger.
21. Epidemiologia
• Prevalência muito maior do que se acreditava no passado: Transtornos do
Espectro Autístico em 1% da população geral, Transtorno Autístico em
0,2% da população, traços autísticos em 3,5% (!) da população.
• Associado com retardo mental em 15% dos casos (80% no transtorno
autístico)
• Associado com epilepsia em 5 a 10% dos casos (35% no transtorno
autístico)
• Transtornos médicos em 7 a 10% dos casos (25% em Transtorno autístico)
• Razão Sexo Masculino: Sexo Feminino desequilibrada: 2-4:1
• Alta incidência de deficiências visuais, auditivas e motoras (inclusive no
nascimento)
• Ocorrência em irmãos aumentada; em gêmeos idênticos, muito mais
aumentada para o Autismo clássico.
Agora passaremos a um assunto muito controverso no momento, que é epidemiologia do
autismo. Não havia controvérsias e era aceito de maneira geral e muito citado que havia 4 a
5 crianças com autismo em cada 10.000 ou 1 a 2 em cada 10.000, ou seja esse seria um
problema muito raro, um transtorno extremamente raro. Sempre apareciam, quase por
definição, os 4 a 5 casos em cada 10.000 crianças, porque haviam ocorrido 3 estudos –
conseguem acreditar nisso? – 3 estudos que mostraram esses resultados. Depois disso
aconteceram cerca de 50 estudos que mostraram que esses dados não estão corretos. A taxa de
autismo é muito mais alta. Mas foram necessários 30 anos para que esses estudos fossem
aceites de verdade e de maneira generalizada. Agora é aceito normalmente que o autismo
atinge 0,2% da população em geral e, portanto, é 5 a 10 vezes mais comum do que se
acreditava nos anos 1960 e 1970. Isso usando os critérios que mencionei.
Há cerca de 0,3 a 0,4% com Síndrome de Asperger e 0,3% com Autismo Atípico. Isso
significa que o espectro do autismo atinge 0,7 a 1 % da população de crianças em geral.
Mas características autísticas e características autísticas marcantes estão presentes em muito
mais crianças durante o início do desenvolvimento e até o período da adolescência, de
maneira que podemos dizer que vários pontos porcentuais das crianças têm algumas
características autísticas. E é importante saber disso de maneira que, por um lado, não haja
um excesso de diagnóstico de autismo naquela população. Mas isso também significa que
quando as pessoas souberem mais sobre autismo e os seus sintomas, mais pessoas e mais
crianças serão consideradas suspeitas. E, por isso, todos os pediatras, todos os neurologistas
e psiquiatras infantis têm que saber que o autismo não é extremamente raro, que de fato
muitas crianças podem levantar suspeitas de sofrerem de autismo e, portanto devem ter
algum conhecimento sobre ele.
A variante Autismo Clássico está associada com retardo mental em cerca de 80% dos
casos, mas considerando o espectro com um todo, isso é, incluindo Síndrome de Asperger e
Autismo atípico, a taxa de retardo mental é de “somente” 15%, o que, é claro, é muito mais
alto que a da população em geral. Ainda assim, a maioria das pessoas no espectro do
autismo não tem QI abaixo de 70, o que é muito importante do ponto de vista do
planejamento educacional. Mesmo que aqueles com transtornos de desenvolvimento e QI
abaixo de 70 ainda estejam a necessitar de mais educação especial, a maioria daqueles
com QI acima de 70 também necessitam de vários tipos de métodos especiais de educação.
Considerando o espectro como um todo, o autismo está associado à epilepsia em 7 a 10%
dos casos, mas em 35% dos casos de Autismo Clássico. Recentemente participamos de um
estudo de follow-up com 30 a 40 crianças vistas nas décadas de 1960 e 1970 na nossa
clínica e em amostras epidemiológicas que vimos antes e o que verificamos é que havia
casos novos de epilepsia aparecidos após os vinte anos de idade em crianças
diagnosticadas com autismo. No passado, as pessoas costumavam dizer que o autismo
estaria associado com epilepsia somente durante a puberdade, mas isso não é verdade.
Cerca de metade dos casos de epilepsia no autismo desenvolvem-se nos primeiros 5 anos de
vida e somente cerca de 30 % dos casos desenvolvem-se durante a puberdade. E então há
mais casos que se desenvolvem mesmo em adultos jovens. Por isso, infelizmente, o risco de
epilepsia não desaparece durante a adolescência.
Em cerca de 7 a 10% dos casos, há um transtorno médico associado, como por exemplo a
Síndrome do X Frágil ou Esclerose Tuberosa, considerando o espectro como um todo. Mas
se você considerar somente os casos clássicos de autismo, você encontra esse transtorno em
1 a cada 4.
Há muito mais meninos sendo diagnosticados com autismo e Síndrome de Asperger do que
meninas, e há mais meninos e homens com autismo e Síndrome de Asperger do que
meninas e mulheres. Mas sabe-se agora que muitas meninas com essas condições não
foram diagnosticadas corretamente. Não que elas não fossem comprometidas… Elas
também têm problemas graves que acabam por as levar aos psiquiatras infantis ou pediatras
ou neurologistas, mas acabam por ter outros diagnósticos: transtorno de personalidade,
depressão e mutismo seletivo são diagnósticos costumeiros para meninas pequenas com
autismo. Então, se o médico receber uma menina pequena, com menos de 5 anos,
a apresentar qualquer problema mais grave, deve sempre pensar “talvez seja autismo”, em
vez de descartar a hipótese por ser muito raro em meninas.
Há uma ocorrência muito alta de deficiências visuais, auditivas e motoras ao longo do
espectro do autismo. Isso foi muito subestimado no passado. As pessoas diziam, se a
criança parecia ter um problema visual, porque apertava muito os olhos para enxergar as
coisas: “bem, é porque ele tem autismo”. Isso não é verdade. A maioria das crianças com
autismo não faria isso se não tivesse um problema visual. Elas devem ser muito mais
cuidadosamente vigiadas para esses tipos de problemas.
E uma coisa muito interessante que vem sendo mostrada nos novos estudos sobre
movimento, nos quais os pesquisadores acompanharam videos de crianças pequenas
depois diagnosticadas com autismo, é que se pode notar já nos primeiros dias de vida
alguma coisa incomum na sua expressão facial, nos seus movimentos. Há alguma coisa
incomum, realmente, em quase todos os casos por volta dos 6 aos 8 meses de idade na
maneira como eles se movem de trás para frente, por exemplo. Déficits motores, portanto,
que no passado não eram considerados típicos do autismo, atualmente sabe-se que são
muito comuns.
A taxa entre irmãos é muito aumentada. Esses são dados de estudos epidemiológicos. Um
irmão ou irmã de uma pessoa com autismo, tem um risco de 4 a 5 % de ter autismo ou 15 a
20 % de ter um transtorno do espectro autístico.
22. Problemas psiquiátricos associados
• TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade)
• Tiques (inclusive síndrome de Tourette)
• DCD (Developmental Coordination Disorder – Transtorno do
Desenvolvimento da Coordenação)
• Hiperlexia
• Depressão e ansiedade (embora talvez não sejam transtornos?)
• Transtorno bipolar
• Mutismo seletivo
• Transtornos alimentares
• Transtornos do sono
• Transtornos de personalidade
• Esquizofrenia/ catatonia
23.“Comorbidades”
• Sobreposição com DCD (Developmental Coordination Disorder –
Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação) e TDAH é considerável
• Crianças com DAMP (Deficits in Attention, Motor Control and Perception -
Deficit de Atenção, Controle Motor e Percepção) grave (DCDDevelopmental
Coordination Disorder – Transtorno do Desenvolvimento da
Coordenação) com TDAH grave normalmente têm traços autísticos
marcantes
• A maioria das pessoas com Síndrome de Asperger tem características de
TDAH
• Algumas crianças “começam” como TDAH e depois “tornam-se”
Transtornos do espectro do autismo típicos
• Outros apresentam Transtornos do Espectro do Autismo quando pequenos e
depois tem TDAH no seguimento
• TDAH e Transtornos do Espectro do Autismo ocorrem nas mesmas famílias
Essa lista é muito importante, eu acho, porque a maioria das pessoas não entendeu ainda,
como mencionei antes, que há alguma coisa além do autismo quando alguém tem autismo.
E esta lista traz algumas das coisas mais comuns a esperar, além de epilepsia, retardo
mental, deficiências motoras e visuais. Deve-se pensar em TDAH (Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade), em tiques porque alguns deles têm tiques terríveis além do
diagnóstico de autismo, num extremo desajeitamento motor que alguns deles têm e pensar
em como lidar com isso. Muitos são hiperléxicos, o que pode ser uma vantagem, mas
também um problema, porque parecem ser excelentes leitores, lêem muito rápido. Com
esses níveis muito altos de leitura, seria de se esperar que a compreensão estivesse no
mesmo nível, mas algumas vezes eles não entendem nada do conteúdo do que leram.
Depressão e ansiedade também são muito comuns, mas eu não os classificaria como
transtornos, porque a ansiedade, em particular, normalmente depende completamente do
ambiente. Por isso, se o ambiente puder ser estruturado, se houver um ambiente calmo, onde
todos saibam o que é esperado deles, etc. e se existirem alguns meios de se comunicar,
como um sistema visual, normalmente os níveis de ansiedade caem drasticamente e este
resultado não é o que seria esperado no caso de transtorno do pânico ou transtorno de
ansiedade generalizada.
Alguns deles têm transtorno bipolar, alguns têm mutismo seletivo. Um grupo bem grande
tem algum tipo de transtorno alimentar grave. E pelo outro lado, em anorexia nervosa, há
um subgrupo com transtornos do espectro do autismo. Algumas daquelas meninas eram
meninas com autismo, mas foram dignosticadas incorretamente. E então desenvolveram
anorexia durante a adolescência e todos disseram: “Bem, é porque ela tem anorexia
que ela é tão isolada socialmente” – o que não é a causa verdadeira.
Transtornos de personalidade, infelizmente, são extremamente superdiagnosticados em
jovens adultos com transtornos do espectro do autismo. E se não houve um diagnóstico
correto de autismo ou Asperger quando criança, quando ficar adulto e tiver um problema e
for a um psiquiatra, normalmente este dirá “isso é um transtorno de personalidade”. Ou até
pior, dirá que é esquizofrenia – esquizofrenia incomum ou atípica – e começar a medicar –
o que não ajuda em nada.
24. Genética
• Irmãos afetados em 3% - Autismo clássico (Transtorno Autístico)
16 / 35
• Irmãos afetados em 10 a 20% - Transtornos do Espectro Autístico
• Gêmeos não idênticos afetados em 0 a 3%
• Gêmeos idênticos afetados em 60 a 90% dos casos
• Todos esses achados referem-se a probandos com autismo clássico, não aos
trasntornos do espectro
• Muitos genes agem em conjunto na maioria dos casos
Gêmeos não idênticos são afetados com a mesma frequência que irmãos, mas gêmeos
idênticos são afetados em 60 a 90% dos casos. Essa enorme diferença entre gêmeos
idênticos e não idênticos deve significar, é claro, que há um grande componente genético
no autismo. Mas também significa que não pode haver um gene principal, porque não seria
consistente com esses achados. Para haver um só gene responsável, deveria ocorrer 50% de
concordância em gêmeos dizigóticos e 100% em gêmeos monozigóticos (univitelinos), e
não é isso o que os estudos mostram. Esse tipo de dados é encontrado quando há muitos
genes envolvidos, provalvelmente mais de 10 genes, a agir em conjunto.
25.Genética
• Parentes de primeiro grau apresentam taxas aumentadas de transtornos
afetivos, fobia social, fenômenos obsessivo-compulsivos, e sintomas do
“fenótipo amplo”
• Parentes de primeiro grau também apresentam possivelmente taxas
aumentadas de transtornos de aprendizado, inclusive retardo mental, dislexia
e alteração específicas de linguagem.
Os estudos mais recentes de modelagem estatística sobre a genética do autismo realmente
sugerem que há mais de 30 genes, possivelmente até 100 genes diferentes envolvidos no
espectro do autismo. Parentes de primeiro grau também são mais afetados por fobia social,
depressão, fenônemos obsessivos-compulsivos e, como já mencionei, o fenótipo autístico
amplo. Mas possivelmente também são mais afetados por retardo mental, dislexia e
alteração específica de linguagem. Talvez eu deva mencionar que alteração específica de
linguagem provavelmente é um diagnóstico que vai desaparecer no futuro porque não
existe isso, não é uma alteração específica.
Se houver comprometimento da linguagem falada por volta dos 2,5 anos de idade, isto é, se
o desenvolvimento da linguagem estiver muito atrasado ou tardio, se não houver fala
nenhuma ou somente algumas palavras com 2,5 anos, a probabilidade de que haja um
problema importante de desenvolvimento aos 7 anos é de 70%: pode ser autismo, Síndrome
de Asperger, TDAH, inteligência limítrofe, retardo mental. E por isso a especificidade de um
comprometimento de linguagem falada que aparece cedo é muitíssimo duvidoso e
usualmente é uma indicação de que existe algum problema de comunicação subjacente. A
disfasia é muito rara em crianças e realmente só quando houver disfasia isolada deveria-se
pensar em fala, comprometimento específico da linguagem. Por isso, qualquer criança com
desenvolvimento tardio da linguagem aos 2,5 anos deve ser atentamente acompanhada, não
somente por pessoas especializadas em linguagem, mas também por neurologistas e
psiquiatras e especialistas em educação. Então, por favor: parem de pensar, com relação a
crianças que não falem bem aos 2,5 anos: “isso vai passar, não será um problema”. A
grande maioria terá problemas importantes mais tarde na vida e pode ser muito ajudada por
intervenções precoces.
26.Genética
• Genes em certos cromossomos (por ex. 2,6,7,16,17,18,22 e X) podem ser
importantes (escaneamento de genomas em pares de irmãos)
• Casos de translocação importantes
• Achados clínicos em determinadas síndromes como Tetrassomia parcial 15q,
Angelman (15q), Esclerose Tuberosa (9q, 16p), X Frágil, Turner, Rett (X)
Há genes ligados ao autismo em muitos cromossomos, claramente importantes. Isso tem
sido mostrado na varredura de genomas de autismo, mas até agora esses estudos têm sido
incapazes de localizar exatamente quais genes estão envolvidos. Só sabemos que há genes
em certos cromossomos muito provavelmente envolvidos na patogênese do autismo.
27. Genética
• Genes da Neuroligina no cromossomo X apresentam mutação em alguns
casos (Jamain, Bougeron, Gillberg et al 2003, reproduzido por outros
grupos)
• Genes da Neuroligina em outros cromossomos, inclusive o cromossomo 17
(Jamain et al 2003)
• Outros genes ligados ao desenvolvimento neurológico de acordo com
estudos de “microarray” (Larsson, Dahl, Gillberg et al 2005)
Nós identificamos o primeiro gene que está claramente associado com autismo, o que foi
publicado na Nature em 2003 (Nat Genet. 2003 May;34(1):27-9). As Neuroliginas são
moléculas de adesão celular que atuam na sinapse neuronal e são codificadas por genes
ativados cerca de 3 semanas depois da concepção e são muito importantes para a formação
das sinapses. Alguns outros grupos estão agora reproduzindo esses achados. Esses genes
são localizados no cromossoma X e o cromossoma X, é claro, está envolvido no autismo
por causa da grande discrepância entre meninos e meninas. Mas há outros genes
codificadores das neuroliginas tais como os do cromossoma 17.
28. Transtornos médicos associados
• Esclerose tuberosa, Síndrome do X Frágil, Tetrassomia parcial 15,
Síndrome de Down, XYY, X0, Hipomelanose de Ito, variantes da
Síndrome de Rett, Síndrome de Angelman, Síndrome de Williams,
Associação CHARGE, Síndrome de Smith-Mageris, Síndrome de Smith-
Lemli-Optz, deleção do braço curto do cromossoma 22 (CATCH 22),
Síndrome Fetal Alcoólico, Retinopatia da Prematuridade, Embriopatia
por Talidomida, Embriopatia por Valproato, Síndrome de Moebius,
infecção por Herpes e Rubéola
Esta é uma lista de condições sobre as quais se deve pensar sempre que se tiver um
diagnóstico de autismo. Esta é a razão pela qual nenhuma criança com autismo deve ser
diagnosticada somente com base na sua avaliação psicológica ou educacional. Deve haver a
avaliação médica de um especialista.
Isso não significa que serão necessários muitos exames diferentes, como neuro-imagens ou
análise de DNA, mas precisa haver alguém que realmente conheça essas síndromes e que
possa fazer uma avaliação clínica da criança e determinar “poderia ser um desses casos ou
não?” E, é claro, para um bom neuropediatra ou neuropsiquiatra que conheça essas
questões, normalmente não é um problema decidir “não, é muito pouco provável que seja
esta ou aquela”. Mas mesmo um especialista, algumas vezes precisará de outros exames
além dos neurológicos. Mas isso não pode ser deixado para um profissional não médico. E
esse tem sido, eu penso, o grande problema com o autismo nos últimos 30 anos: este
tornou-se foco de psicólogos e educadores, que são absolutamente necessários na equipe de
tratamento. Mas os médicos deixaram o autismo completamente de lado. É como se
estivessem a dizer: “Não tem nada a ver com o cérebro, com a medicina, é um problema
psicológico…”
29. Transtornos médicos associados
• Transtornos médicos conhecidos em 25% dos indivíduos no transtorno
autístico propriamente dito (amostras não selecionadas) e 5% em
Síndrome de Asperger
• Esses transtornos são genéticos, também afetam áreas de genes
relacionadas ao autismo ou causam lesões cerebrais através de agressões
diretas ou indiretas
• Taxa alta de fatores de riscos pré e peri-natais
Todos esses subgrupos de transtornos têm percentagem muito alta de autismo e, algumas
vezes, como em esclerose tuberosa, 50 a 60% dos casos antes dos 5 anos têm autismo. E
então, se houver autismo, epilepsia ou retardo mental, a primeira coisa que você deve
pensar é esclerose tuberosa, mesmo que não seja um problema comum. Síndrome de Down,
por exemplo. Algumas pessoas parecem acreditar que a Síndrome de Down é uma garantia
de que não haverá autismo. E, na verdade, todos os novos estudos mostram que 1 em 10
crianças com Down tem autismo muito grave e é muito importante que este seja
diagnosticado.
Eu ressaltei a Embriopatia por Talidomida, porque é uma associação muito interessante. A
embriopatia por talidomida está associada a uma taxa alta de autismo e somente naqueles
casos que mostram anormalidades específicas nos olhos e nos membros. É possível datar o
início do problema cerebral usando a talidomida como modelo. Essa associação mostra que
o tipo de dano causado pela talidomida que também leva ao autismo ocorre sempre por
volta de 3 semanas após concepção. Essa é a época que o tronco cerebral está a
desenvolver-se e, portanto, tem sido um modelo para novas pesquisas sobre o tronco
cerebral.
30. Síndrome de Rett e Transtornos do Espectro do Autismo
• Síndrome de Rett
- Uma variante da Síndrome de Rett onde a fala permanece preservada pode ser
comportalmente indistinguível do autismo clássico em meninas pequenas
- Algumas meninas e meninos com o gene MecP2 têm “somente” autismo (mais
freqüentemente variante “regressiva”)
A Síndrome de Rett infelizmente é considerada uma forma de autismo no DSM-IV e no
CID 10, o que é totalmente inadequado. Ela é um dos transtornos médicos ao qual o
autismo está associado, e é muito semelhante à Esclerose tuberosa e a Síndrome do X
Frágil no sentido de que esse grande subgrupo tem características autísticas muito fortes.
Mas isso não quer dizer que a Síndrome de Rett deve ser considerada uma variante clínica
do autismo.
31. Síndrome de Landau-Kleffner/ Síndrome do Status Epiléptico durante o Sono Lento
(ESES) e os Transtornos do Espectro do Autismo
• Síndrome de Landau-Kleffner e ESES
- desenvolvimento normal por 2 a 18(?) anos
- regressão repentina na compreensão da linguagem e perda total ou parcial da
linguagem falada (“agnosia verbal auditiva”)
- habilidades visuais preservadas
- regressão do tipo autístico em muitos casos
- descarga epileptogênica no Eletroencefalograma/epilepsia
A Síndrome de Landau-Kleffner é extremamente importante porque não é tão rara como se
pensava e ainda é, pelo menos na minha parte do mundo, muito frequentemente confundida
com autismo. Algumas crianças parecem desenvolver-se normalmente por alguns anos, no
mínimo 2 e até 18 anos de idade, então aparecem com descarga epileptogênica no seu
Eletroencefalograma. Além disso, perdem a capacidade de entender linguagem falada. Elas
têm algo chamado agnosia verbal auditiva. Ao mesmo tempo começam a ter problemas
comportamentais importantes – nem todos, porém. Alguns têm muito poucos problemas
comportamentais, incluindo TDAH e autismo. Se não for feito um eletroencefalograma
durante o sono, não haverá condições de se fazer esse diagnóstico e elas podem precisar de
tratamento com corticosteróides, podem precisar inclusive de um tratamento cirúrgico
precoce. Há também uma sobreposição com a Síndrome do Status Elétrico Epiléptico
durante o sono lento que provavelmente é um espectro dentro da Síndrome de Landau-
Kleffner.
32. Interações psico-sociais
• Os Transtornos do Espectro do Autismo não estão associados com classe
social
• Não estão associados com condições psico-sociais precárias, no entanto, um
“pseudo-autismo” está descrito para crianças expostas a situações de
extrema precariedade das condições psico-sociais
• Melhora importante temporalmente restrita em boas condições psico-sociais
• “Links” com a imigração? “Link” indireto com fatores genéticos?
O Autismo não está associado à classe social. Isto é muito importante. Costumava-se dizer
que autismo era a síndrome das classes superiores, somente de pais intelectuais, frios, etc.
Não há nenhuma evidência que indique isso: o autismo também não está associado com
alguma desvantagem psico-social. Existe um tipo de pseudo-autismo verificado em
crianças criadas por instituições em condições extremamente precárias. Mas isso
provavelmente é o efeito da disfunção cerebral causada pela extrema falta de estimulação e
talvez pelos maltratos nos primeiros anos de vida. Os cérebros de crianças que apanham,
são muito mal alimentadas e têm pouquíssimas oportunidades de interação humana
realmente sofrem permanentemente.
Não sei se isto pode ser observado nesta parte do mundo, mas noutras partes do mundo,
como África, Ásia, Escandinávia e Inglaterra, nós encontramos uma taxa muito mais alta de
autismo em pessoas que chegaram de culturas muito diferentes e distantes. No começo,
todos acreditavam que este fenômeno se deveria a fatores genéticos ou que poderia ser
provocado por infecções virais na gravidez em mulheres que migraram de uma área para
outra e não estariam imunizadas contra doenças associadas aos transtornos do espectro do
autismo, como rubéola, por exemplo. Mas agora acreditamos que um dos fatores mais
importantes nestas famílias é que homens com Síndrome de Asperger que não conseguiram ninguém para casar ou ter um filho na sua própria cultura, acabaram por ter filhos com
pessoas de culturas distantes. Com a globalização, homens suecos que viajaram para o
Sudeste Asiático, por exemplo, voltam com uma mulher completamente normal daquela
parte do mundo e acabam por ter um filho com essa mulher. Quando esse filho desenvolve
autismo, o que é na verdade um efeito do pai ter Síndrome de Asperger, ou seja, é uma
herança genética do pai, acaba por ser explicado pela origem da mulher, ou autismo da
imigração. Fizemos estudos que sugerem que esta provavelmente é a principal causa do
chamado “autismo da imigração”.
33. Interações psico-sociais
• Crianças com deficiências geram interações incomuns
• Alguns pais têm transtornos do espectro do autimo eles mesmos – em alguns
casos um grande problema, ocasionalemnte uma importante vantagem
• Ansiedade, comportamentos violentos, auto-agressões e hiperatividade
reduzidas em ambiente favorável às pessoas com autismo
É muito importante entender que não são os pais que causam o autismo nos filhos, mas que
a criança com autismo gera interações sociais incomuns no seu entorno. Não somente nos
pais, mas nos irmãos e irmãs, professores, todos ao seu redor. Mas é importante também, é
claro, saber que alguns pais têm eles mesmos problemas relacionados ao espectro do
autismo por causa da ligação genética. Em alguns casos isto pode ser um problema
complicado, mas também pode, se os pais tiverem características autísticas leves, ser uma
importante vantagem, já que os pais podem entender muito melhor do que as outras pessoas
os problemas da criança.
Também é muito importante saber que a freqüência de auto-agressão e hiperatividade são
reduzidas em ambientes com condições favoráveis às pessoas com autismo. E um ambiente
favorável às pessoas com autismo é um ambiente onde todos sabem sobre autismo. Isto é
realmente importante. Se alguém me perguntasse: “Qual é a parte mais importante do seu
tratamento ou intervenção para autismo?”, eu responderia que é que todas as pessoas ao
redor da criança ou do adulto saibam mais sobre o que é o autismo e o que não é, para não
ter uma série de idéias malucas sobre o que ele significa, saber sobre os problemas básicos
de comunicação, etc. Isso aumentaria enormemente as possibilidades da criança.
34. Bases cerebrais
• Achado clínico: macrocefalia é comum (Bayley et al 1997, Gillberg e
deSouza 2002)
• Lesões cerebrais adquiridas implicaram as regiões temporal, frontal , frontotemporal
e disfunção bilateral na síndrome central; disfunção cerebral direita
ou esquerda no espectro do transtorno do autismo (Gillberg & Coleman
2000, Coleman 2005)
• Dados de autópsias sugerem: amígdala, ponte e cerebelo (Bauman 1988)
A base cerebral do autismo está a começar a ser compreendida. Há mais e mais estudos
que mostram que 1 em cada 5 pessoas com autismo tem uma cabeça grande, macrocefalia.
Isso tem sido associado, em alguns estudos, com superprodução de sinapses no início do
desenvolvimento e talvez uma falha em interromper as sinapses não funcionais no
desenvolvimento inicial. Há uma superprodução de sinapses, o que acontece na maioria das
crianças e então, por volta dos 18 meses, há a apoptose e a morte das células e uma redução
das sinapses não-funcionais. Mas em algumas crianças com autismo, isto obviamente não
acontece. E então muitos deles podem ter neurônios demais ou sinapses demais, muitas das
quais não são funcionais, o que poderia levar a uma “rede” cerebral pobre. Alguns estudos
têm mostrado que a chamada conectividade cerebral é muito pobre nas pessoas com
autismo.
35. Bases cerebrais
• Danos no tronco cerebral sugeridos por
- Talidomida (Stromland, Gillberg et al 1994)
- Associação com síndrome de Moebius (Gillberg & Steffenburg
1997)
- Respostas do tronco cerebral auditivo (Rosenhall, Gillberg et al
2003)
- Diminuição ou ausência do nistagmo pós-rotatório (Onitz, Rivo
1967)
- Tônus muscular aberrante e estrabismo concomitante (Gillberg &
Coleman, 2000)
36. Bases cerebrais
• Disfunção cerebelar sugerida por:
- Estudos de autópsias (Bauman et al 1992, Bayley et al 1999,
Oldfors, Gillberg et al 2000, Weidenheim, Rapin, Gillberg et al
2001)
- Estudos de imageamento (Courchesne 1988)
- Relação com ataxia (Ahsgren, Gillberg et al 2005)
37. Bases cerebrais
• Disfunção cerebral frontotemporal sugerida por:
- Estudos de autópsia
- Estudos de imageamento funcional
- Estudos neuropsicológicos
- Estudos neuropsicológicos e de neuroimageamento combinados
- Quadros clínicos
Há pelo menos 3 partes diferentes do cérebro que são extremamente importantes para o
desenvolvimento do autismo. Uma é o tronco cerebral – está muito claro que cerca de 1 em
cada 2 pessoas do espectro do autismo ou pelo menos 1 em 2 de todos com autismo
clássico tem problemas importantes no tronco cerebral. O cerebelo está claramente
envolvido numa série de casos. Também tem sido mostrado tanto por neuro-imagens
quanto por estudos de autópsia que as regiões fronto-temporais do cérebro, inclusive a
amígdala e o giro fusiforme, muito provavelmente estão envolvidos na maioria dos casos.
38. Bases cerebrais
Os estudos neuropsicológicos mostram
• Problemas com meta-representação
• Deficiência de aprendizado não verbal em Síndrome de Asperger
• Deficiência de aprendizado verbal em Transtorno Autístico
• Peculiaridades no “eye-tracking” (rastreamento ocular)
• Deficiência no reconhecimento de expressões faciais em crianças e adultos,
em Síndrome de Asperger e Trasntorno Autístico; tendência a olhar na parte
inferior do rosto (giro fusiforme)
• Deficiência na Teoria da mente sobre os olhos
• Problemas de Coerência Central
• Deficiências de aprendizado processual (complexo) e conectividade neural
reduzida
• Superioridade na aprendizagem de fatos
Os estudos neuropsicológicos são extremamente importantes pelo que eu acabei de
mencionar, para as pessoas que convivem com as pessoas com autismo entenderem o que é
o autismo, afinal. Tem sido mostrado muitas vezes que as pessoas com autismo e Síndrome
de Asperger têm dificuldades com a chamada meta-representação ou teoria da mente. Elas
não conseguem entender, desde muito pequenas, que as outras pessoas têm potencialmente
um conjunto de pensamentos e emoções diferentes do dela e, portanto, não interagem com
aquele conjunto diferente de pensamentos e emoções das outras pessoas.
Há um grupo grande entre as pessoas com Síndrome de Asperger que tem a chamada
Nonverbal Learning Disability – NLD ou Deficiência de Aprendizado Não Verbal. O seu
desempenho é muito melhor nos testes verbais de QI (Quociente de Inteligência) como o
WISC (Weschsler Intelligence Scale for Children), mas os resultados são muito piores
quanto à função executiva. Enquanto isso, no autismo clássico, é totalmente ao contrário: as
habilidades verbais são muito reduzidas comparadas às habilidades de execução.
Há vários tipos de peculiaridades relacionadas ao “eye-tracking” em autismo. Se as pessoas
com autismo seguem um objeto em movimento com o olhar, elas têm dificuldades em fazer
isso e ao mesmo tempo lhes faltam os movimentos sacádicos típicos, e alguns deles têm
movimentos sacádicos muito atípicos, seus olhos movem-se de outra maneira. E eles
também frequentemente têm ausência do nistagmo pós-rotatório. Todos esses sintomas
indicam disfunção do tronco cerebral.
Um dos mais interessantes progressos sobre o autismo talvez sejam os estudos recentes
que mostram que um grande grupo de pessoas com autismo, talvez a maioria delas, têm uma
forma diferente de processar a face se comparadas a outras pessoas. Elas são levadas a
olhar para a sua boca, para a porção inferior do seu rosto, e talvez aí esteja o que as pessoas
chamam de uma “esquiva ao contato ocular” que pode não ser esquiva de verdade, mas
simplesmente que o seu cérebro está programado para olhar mais para a porção inferior do
rosto do que para a porção superior, que é considerada a “posição normal”.
A maioria das crianças olhará nos olhos desde cedo. Elas tentarão entender quem você é, o
que está a pensar e o que está a sentir, olhando para os seus olhos. As crianças com
autismo e Síndrome de Asperger, desde muito pequenas, tendem a olhar na porção inferior
do rosto. Elas também não ativam o giro fusiforme, o que acontece quando as crianças
“normais” olham nos olhos de outras pessoas. A Teoria da Mente está relacionada à
percepção, pela observação da expressão dos olhos, se a outra pessoa está brava ou
pensativa, por exemplo. Mas as pessoas do espectro do autismo têm grande dificuldade
nesta área. Não conseguem interpretar o que os olhos dizem: o que a outra pessoa está
a pensar ou a sentir. Também têm deficiências graves nas funções executivas. E isso elas
têm em comum com as crianças com TDAH. Têm dificuldades em planejar com
antecedência, e grande dificuldade em seguir uma estrutura para alcançar um objetivo
futuro. Pode ser que por isso eles, algumas vezes, se fixem demais em rotinas, por que pelo
menos eles têm alguma estrutura externa na qual se podem apoiar.
As crianças com autismo têm problemas de Coerência Central, o que de certa maneira pode
ser uma vantagem. Isto é, elas tendem a olhar para os detalhes ao invés do todo, enquanto o
resto de nós normalmente tende a tentar formar um conceito global, alguma coisa que
combine todos os detalhes num todo: “Eu não preciso saber todos os detalhes para saber
o que é”. As pessoas com autismo fazem justamente o contrário. Não conseguem ter a visão
geral, fixam-se em detalhes e aprendem sobre os detalhes melhor que as outras pessoas, ou
seja, seu aprendizado factual é superior. Comparado a outras crianças com o mesmo QI,
eles são extremamente superiores em aprender fatos. Isso era considerado exclusivamente
um problema, no passado. Nós devemos estimular isso e tirar vantagem da sua capacidade
superior de aprendizado factual, mesmo que, quando muito pequenas, possam não saber o
que todas aquelas coisas que conhecem significam. É muito melhor que saibam todas essas
coisas. No final, serão capazes de fazer conexões. Talvez quando tiverem 15 ou 20 ou 25
anos de idade, todas as coisas possam convergir e então é melhor que todas aquelas
informações estejam nas suas cabeças do que não haver informação nenhuma. Devemos
tirar vantagens da sua habilidade de aprender fatos concretos e simples, mesmo que tenham
grandes problemas em combiná-los e formar um todo quando são pequenas.
39. Bases cerebrais
• Pelo menos quatro variantes biológicas do autismo:
- Disfunção ou lesão precoce do tronco cerebral e do cerebelo associada a
probleas secundários graves (autismo “clássico” com retardo mental,
disfunção da linguagem e problemas graves de percepção)
- Disfunção/dano do lobo bitemporal no trimestre médio da gravidez
(autismo “clássico”)
- Variação frontotemporal uni ou bilateral em casos de alto funcionamento
ou síndrome de Asperger
- Autismo por lesões múltiplas: deficiências graves com retardo mental,
comprometimento motor, auditivo e visual
Acreditamos que há pelo menos 4 variantes biológicas do autismo. Uma dessas variantes
seria causada pelos problemas precoces do tronco cerebral e do cerebelo, que levariam ao
autismo clássico com retardo mental grave ou moderado, disfunção da linguagem e
problemas graves de percepção, tais como problemas perceptivos-auditivos. Poderia haver
um outro grupo que é a disfunção do lobo temporal bilateral no segundo trimestre de
gestação que levaria ao autismo clássico e talvez variações uni ou bilaterais frontotemporais,
mais do que disfunções ou danos. Os nossos cérebros são muito mais diferentes do
que iguais e esta poderia ser uma variação. E finalmente há o autismo causado por danos
cerebrais múltiplos, ou seja, você tem que ter autismo se todo o seu cérebro for danificado.
40. Bases cerebrais
• Provavelmente muitos circuitos (loops) neurais funcionais estão implicados
e todos eles violam funções neurocognitivas (sociais) que são crucialmente
prejudicadas (mas possivelmente não de forma específica) no autismo
(Gillberg 1999, Gilberg & Coleman 2000, Coleman 2005)
• Forma extrema do fenótipo masculino – testosterona? (Gillberg 1980, Wing
1980, Gillberg 1992, Baron-Cohen et al 2002, Baron-Cohen 2005)
É bem provável que nunca encontremos uma neurocircuitaria que seja crucial para o
autismo, mas sim muitas neurocircuitarias envolvidas e que todas afetem a neurocognição
social.
Alguns estudos recentes e algumas observações clínicas antigas sugerem que o autismo é
associado com altos níveis de testosterona durante o desenvolvimento intra-uterino, já que
há algo “masculino” no autismo, afinal. Lorna Wing, uma das grandes especialistas na
clínica e pesquisa do autismo nos últimos 40 a 50 anos, disse já há bastante tempo que o
autismo nada mais é do que o exagero das características masculinas. Os homens são mais
rígidos, mais focados, podem trabalhar interminavelmente com a mesma coisa. As
mulheres são mais flexíveis, pensam sobre muitas coisas ao mesmo tempo, conseguem
manter uma série de coisas na sua cabeça enquanto fazem outras, enquanto o homem quer
tudo mais estruturado ou talvez mais “masculino”.
Houve estudos em crianças em idade escolar que foram acompanhadas desde a gravidez
porque as suas mães fizeram âmniocentese, durante a qual os níveis de testosterona no fluido
amniótico foram avaliados. Verificou-se depois que havia uma correlação muito clara entre
níveis altos de testosterona no fluido amniótico e desenvolvimento social muito mais pobre
na idade escolar. São evidências preliminares que podem ser importantes.
41. Bases cerebrais
• Dopamina (Gillberg et al 1987)
• Serotonina (em retardo mental também) (Coleman 1976)
• Noradrenalina (Gillberg et al 1987)
• Neuroliginas (Jamain et al 2003)
• Glycinas, GABA, Ah, Glutamato ?
• Proteína GFA (Ahlsen et al 1993)
• Gangliosides (Nordin et al 1998)
• Endorfinas (Gillberg et al 1985)
• Sistema imune (Plioplys 1989)
42. A cadeia patogenética
• Agressão genética ou ambiental
• Dano ou disfunção neuroquímica
• Funções neurocognitivas sociais restringidas (aprendizado processual,
metarepresentações, coerência central, olhar para a parte superior da face,
funções executivas)
• Aprendizagem factual superior
• A “síndrome” (ou algumas vezes, a constelação “arbitrária” de sintomas) do
autismo
• Duas síndromes (sócio-comunicativa e comportamental)
• Três síndromes???
• Dúzias de síndromes
43. A cadeia patogenética
• A Síndrome de Asperger e o Transtorno Autístico estão sempre na mesma
família de transtornos?
• Alguns pais com Síndrome de Asperger têm filhos com Síndrome de
Asperger e parentes com Síndrome de Asperger, mas NENHUM caso de
autismo grave
• Outras famílias têm todas as variantes dos Transtornos do Espectro do
Autismo em suas famílias estendidas.
• Algumas famílias têm filhos com autismo grave e nenhuma história de
Transtornos do espectro do Autismo
- Gillberg 2003, observações clínicas, Gillberg & Cederlund 2005
44. Implicações para o tratamento
• Individualizar
• Se houver transtorno subjacente conhecido: tratá-lo (e ficar atento a
sintomas específicos de síndromes, como a esquiva de olhar no X Frágil)
• Se houver epilepsia: tratá-la (no entanto, há precauções importantes aqui)
• Se houver deficiências auditivas, visuais e motoras: tratá-las
• Medidas psico-educacionais
• ABA ou Análise do Comportamento Aplicada – também conhecida como
Terapia Cognitivo-Comportamental (CBT) quando usadas em indivíduos
mais funcionais (“early bird?”)
• Tratamentos sintomáticos biológicos
Quais são as implicações para tratamento afinal? Bem, pessoas com autismo são diferentes
umas das outras. Não são todas iguais. Esta é uma das grandes descobertas, porque as
pessoas costumavam pensar que o autismo seria um tipo homogêneo de problema, mas não
é. É causado por diferentes coisas e as pessoas são diferentes dentro do espectro. O trabalho
precisa ser individualizado. Se há um transtorno subjacente, deve ser tratado. E o médico
deve saber de coisas tais como: há síndromes no autismo que estão associadas com uma
esquiva ao contato ocular muito grave.
Pessoas com Síndrome do X Frágil, por exemplo, não toleram o contato ocular. Então seria
muito perigoso e difícil tentar forçá-los a olhar para você. E sabemos por experiência que
você não consegue ensinar uma criança com Síndrome do X Frágil forçando-a a olhar para
você. Você deveria sentar-se perto e apontar. E então ela pode-se concentrar no material
educativo.
Se há epilepsia, ela deve ser tratada, mas deve-se entender que há mais precauções a se
tomar. E esta é uma área onde neurologistas e psiquiatras devem trabalhar em conjunto,
porque alguns dos medicamentos usados nos problemas associados ao autismo não são
bons para epilepsia e vice-versa. Alguns dos medicamentos para epilepsia, como os
benzodiazepínicos, de maneira geral não são bons para o autismo.
Devem ser tratadas as deficiências motoras, auditivas e visuais, devem ser usadas medidas
psicoeducacionais para todas as crianças com autismo, melhorar o conhecimento das
pessoas, em especial sobre as bases neuropsicológicas do autismo. Se a pessoa entende os
problemas de meta-representação (teoria da mente), a atração por detalhes, a tendência para
olhar na porção inferior do rosto, etc. estará muito melhor equipada para lidar com pessoas
que têm este tipo de problema.
Elementos da Análise do Comportamento Aplicada (ABA – Applied Behavioral Analysis)
e também da terapia comportamental cognitiva podem ser usados com algum sucesso em
autismo. Mas elas não devem nunca ser vistas como a base principal do tratamento ou o
único tratamento. Ninguém com autismo pode ter só um tipo de tratamento. As pessoas
com autismo precisam ser entendidas como pessoas e terem uma abordagem ampla e
completa. Você não pode, por exemplo, simplesmente ter terapia uma hora por semana. Isto
seria inútil para a maioria das crianças com autismo. Você deve pensar sobre o dia todo, a
semana toda, a vida toda da pessoa com autismo.
45. Psicofarmacologia do Autismo
• Somente os antagonistas da dopamina (neurolepticos) têm mostrado de
maneira convincente que afetam os sintomas centrais do autismo
(vanBuitelaar 2000, McCracken 2002)
• O uso de Risperidona e olanzapina (e haloperidol) é baseado em estudos
clínicos
• O uso de Inibidores da recaptação da Serotonina é baseado em estudos em
adultos (alto funcionamento) com Síndrome de Asperger e Transtorno
autístico
• Algumas evidências positivas sobre o uso de Fluoxetina em crianças com
Transtorno Autístico e Transtorno bipolar/Transtorno bipolar familiar
• Estimulantes para Transtornos autísticos e Síndrome de Asperger com
TDAH e QI > 20
• Antiepilépticos em alguns casos com autismo e descarga epileptogênica
• Esteróides em autismo com regressão? (Landau-Kleffner)
• Peptídeos?? E drogas sintetizadas com objetivo de interação com peptídeos
Há alguns tratamentos sintomáticos biológicos para alguns problemas, incluindo
antagonistas da dopamina, que podem ser muito bons para auto-agressões graves, para
extremos de hiperatividade, mas não devem ser usados para o autismo em si. Os inibidores
da captação de serotonina são bons para alguns dos problemas de TOC (Transtorno
Obsessivo Compulsivo) ou problemas ritualísticos repetitivos que algumas pessoas com
autismo têm em grandes quantidades. Mas, novamente, não devem ser usados para o
autismo em si. Há algumas evidências positivas do uso de fluoxetina em crianças que têm
autismo com transtorno bipolar e pode ser usada naquele grupo.
Os estimulantes, como a ritalina, deveriam ser tentados para crianças que têm autismo com
TDAH graves. No passado, isso era algo desaconselhado. Dizia-se: “Não, não, não lhes dê
estimulantes por que se tornarão psicóticos”. E novos estudos mostraram que não, eles não
se tornarão psicóticos. Reagirão como as outras crianças que têm TDAH, se forem
extremamente hiperativos, extremamente desconcentrados. Eles normalmente reagirão
positivamente, apesar do autismo, é claro, não ir embora. E então, quando as pessoas dizem
“ele está muito melhor em relação à hiperatividade, mas não há outras diferenças”, isso é o
esperado, pois não há medicação para o autismo.
Depois de todos os meus anos neste campo, mesmo que alguns neurologistas ainda insistam
que somente há epilepsia quando há crises convulsivas claras e óbvias, eu diria que há um
subgrupo com autismo, onde não se pode dizer realmente se o que acontece é uma
característica de uma descarga epileptogênica de uma doença de base ou uma característica
autística. Quando uma criança com autismo é completamente ou muito ausente ou
permanece muito tempo em comportamentos de olhar perdido e tem uma descarga
epileptogênica associada deve ser considerado o diagnóstico de epilepsia? Deve ser
encarado como um transtorno convulsivo ou não? Com certeza, os antiepilépticos são
benéficos para alguns casos.
Os esteróides devem ser usados em autismo com regressão se você acreditar que não
consegue excluir a possibilidade de Síndrome de Landau-Kleffner.
46. Implicações para o tratamento
• Nenhuma medicação para a maioria
• Neurolépticos atípicos, antiepilépticos, inibidores da recaptação de serotonina,
estimulantes, (atomoxetina?), lítium (e outras drogas) para alguns
• Dietas??
As recomendações finais para tratamento são: nenhum medicamento para a maioria;
neurolépticos atípicos e estimulantes e antiepiléticos e inibidores de serotonina podem ser
usados se tiverem problemas associados. As dietas provavelmente não são úteis para a
maioria das crianças com autismo, apesar de haver crianças com autismo com enteropatia
glúten-sensível ou com intolerância ao leite e, é claro, você precisa tratar esses problemas
separadamente. E algumas vezes você tem bons efeitos sobre o comportamento nessas
crianças. Mas a maioria das crianças com autismo não tem doença celíaca ou intolerância
ao glúten ou ao leite. Algumas crianças têm doença mitocondrial, que é muito rara, e as
crianças com autismo e doença mitocondrial beneficiam-se das dietas para essa última.
47. Implicações para o tratamento
• Exercício físico !!
• “Dieta sensorial”, ambiente favorável à pessoa com autismo (reduzir
barulho, certos sons, cheiro, conhecimento da equipe sobre o autismo)
• Educação com métodos concretos, visuais (nem sempre) diretos - TEACCH
• ABA - Análise do Comportamento Aplicada
• PECS – Sistema de Comunicação por Troca de Figuras
• Minimizar ambigüidades e interpretações simbólicas
Há muitos estudos que mostram que exercícios físicos são muito úteis para reduzir a
hiperatividade e auto-agressão em autismo. O ambiente favorável ao autismo é a coisa mais
importante, eu penso. Dicas concretas e muito frequentemente visuais, mas nem sempre
visuais, porque algumas crianças com autismo têm problemas visuais. A filosofia TEACCH
(Treatment and Education of Autistic and Related Communication handicapped CHildren –
Tratamento e Educação de Crianças com Autismo e com Deficiências de Comunicação
Relacionadas) normalmente é uma boa maneira básica de pensar o autismo, porque ela leva
em consideração a pessoa como um todo, o dia todo, a vida toda, etc. Agora, algumas
pessoas dizem: “a abordagem TEACCH não tem mais confirmação/sustentação que
a abordagem ABA – Applied Behavior Analysis”. Bem, isso pode ser verdade do ponto de
vista de pesquisas controladas, mas o TEACCH tem sido usado há 40 anos e praticamente
no mundo todo, a maioria que a usa sente que é benéfica. Pelo menos há evidências
empíricas.
ABA – Análise de Comportamento Aplicada, Comunicação por Figuras e Linguagem de
Sinais e o Sistema de Comunicação por troca de Figuras (PECS - Picture Exchange
Communication System), em particular, devem ser usados para alguns tipos de problemas.
Algumas crianças podem se beneficiar muito com este tipo de sistema de comunicação em
vez de usar somente a comunicação verbal.
48. Prognóstico
• Muito variável, com grandes diferenças entre alguns casos de “baixo” e certos casos
de “alto” funcionamento
• Melhor com diagnóstico precoce
• Maioria atinge a velhice, mas há mortalidade aumentada em subgrupos (com
epilepsia ou outros transtornos médicos, afogamento, acidentes)
• Problemas básicos permanecem , mesmo que modificados
• Alta incidência de problemas psiquiátricos secundários (transtornos de
personalidade, afetivos e sociais, catatonia)
• Casos clínicos de síndrome de Asperger têm prognóstico similar àqueles com
transtornos autísticos, apesar do alto (e algumas vezes “crescente”) QI
O prognóstico é extremamente variável; não é razoável hoje em dia dizer que o prognóstico
é sempre terrível em autismo. Normalmente não é muito bom nos casos clássicos. De fato,
é bem pobre normalmente. Mas com Síndrome de Asperger, pelo menos 1 em 3 consegue
sair-se muito bem na vida adulta, provavelmente 1 em 3 consegue sair-se relativamente
bem e apenas 1 em 3 não se sai bem na vida adulta. Nós fizemos alguns estudos de
seguimento em Síndrome de Asperger com pessoas com menos de 10 anos até os 20 a 40
anos de idade e estes foram os resultados: 1 em 3 ficou muito bem, eu deveria dizer
surpreendentemente bem, 1 em 3 moderadamente bem e 1 em 3 mal.
49. Prognóstico
• Três subgrupos
• Cronicamente “ausentes”
• Ativos, mas estranhos
• Passivos e “amistosos”
Há três subgrupos na idade adulta e normalmente eles são observáveis desde muito
pequenos. Um é muito passivo, não se envolve com outras pessoas, mas pode ser muito
amistoso e relaciona-se com as outras pessoas de maneira muito passiva. Outro é muito
muito ativo, faz contatos estranhos com as outras pessoas. Não entende as necessidades das
outras pessoas e então é considerado muito agressivo e socialmente inapto. E outro é
cronicamente ausente, do tipo muito “autístico”.
50. Prognóstico
• Nenhuma fala antes dos três anos de idade - normalmente Transtorno
autístico
• Alguma fala aos 3 anos – frequentemente Síndrome de Asperger
• Nenhuma fala aos 7 anos – sempre transtorno autístico
Se não houver linguagem até os 3 anos de idade, então é bem provável que haja um quadro
de autismo clássico, mas se houver alguma fala nesta idade, mesmo que apenas poucas
palavras usadas de alguma maneira para algum grau de comunicação, então normalmente a
configuração futura será de Síndrome de Asperger. Se não houver nenhuma linguagem aos
7 anos, quase nunca haverá fala. Esses dados são baseados em avaliações estatísticas ou
epidemiológicas ou grandes amostras clínicas. Há alguns casos, entretanto, nos quais pode
haver algum desenvolvimento da linguagem mais tarde.
51. O futuro
• Conhecimento específico (inclusive genético) e tratamento para os
subgrupos
• Tratamentos sintomáticos
• Psicoeducação e análise aplicada do comportamento
• Mudanças na aceitação e nas atitudes “Difundir o conhecimento sobre o
autismo” (TV, rádio, jornais, livros folhetos, educação das crianças
“normais” nas escolas)
• Pessoas com autismo, não autistas e pessoas autísticas! Enfatizar esse ponto
nunca é demais
• Respeito!
No futuro haverá um conhecimento mais específico sobre os subgrupos, o que gerará
intervenções melhores. Isto é, se soubermos qual é a base para aquele caso específico de
autismo com aquele determinado transtorno subjacente, é bem provável que haja um
tratamento mais racional. Haverá tratamentos sintomáticos, psicoeducação, aceitação e
mudanças de atitudes, mas eu penso que uma das coisas mais importantes é que as pessoas
entendam que a diferença entre as pessoas com autismo e o resto de nós é que eles são
diferentes em muitas maneiras. Mas isso não quer dizer que eles sejam anormais, isso quer
dizer simplesmente que há uma grande variabilidade humana. E algumas pessoas são
extremas nesse aspecto e merecem respeito por isso. Nós não podemos simplesmente dizer
que eles devem ficar exatamente como o resto de nós, ou tornarem-se parecidos com o resto de
nós. Talvez eles nem queiram isso. Algumas das pessoas de alto funcionamento com
Síndrome de Asperger realmente dizem “Porque é que vocês querem que nos tornemos
exatamente iguais a vocês? Se nós estamos bem, funcionamos bem, estamos felizes
conosco e com as nossas vidas, porque nos querem mudar?”. Devemos pensar sobre estas
coisas e não simplesmente dizer que eles devem ser todos “normalizados”. Devem ser
aceites como todos os outros.
52. Literatura
• Gillberg C. & Coleman M. Biology o the Autistic Sydromes. Cambridge
University Press. New York and Cambridge (2000)
• Gillberg C. A guide to Asperger syndrome. Cambridge University Press.
New York and Cambridge (2002)
• Coleman M. (ed) Neurology of Autism. Oxford University Press. Oxford
(2005)
• Haddon M. O estranho caso do cachorro morto. Editora Record, Rio de
Janeiro (2004)
• Vine B. The Minotaur. Penguin Books - London (2005)
Finalmente há alguma bibliografia. Escrevi vários livros sobre autismo, mas
gostaria de chamar sua atenção para retratos mais ficcionais do autismo. Um é o excelente
livro de Mark Haddon “O estranho caso do cachorro morto”, que é sobre um rapaz de 15
anos, disponível em português. Penso que é uma leitura fantástica porque dá, de certa
maneira, os pontos de vista de uma pessoa com Síndrome de Asperger e de como, se você
tiver Síndrome de Asperger, pode interpretar erroneamente o que se está a passar e como
as outras pessoas podem interpretar erroneamente o que a pessoa com Síndrome de
Asperger está a pensar e a sentir. E é bem divertido.
Também há o livro de Barbara Vine, “O Minotauro”, um suspense psicológico
muito bom e todo ele sobre um homem com Síndrome de Asperger. É interessante que mais
e mais livros e filmes venham sejam feitos sobre pessoas com problemas do espectro do
autismo, e penso que isso contribui enormemente para se entender melhor o que é e para
uma aceitação, não “normalização” dessas pessoas. Não sou a favor da normalização,
porque não acredito que exista o “normal”, não gosto do conceito de normal. Quero dizer,
quem é normal, afinal? Tenho certeza que as pessoas nesta sala não são completamente
normais. Você tem alguma coisa que está no extremo final da distribuição da curva. E é
isso que é o autismo. É estar no extremo final da distribuição em termos de comunicação
social. Em alguns casos é um enorme problema. E devemos ajudar e tentar fornecer a
melhor ajuda disponível. Mas noutros casos é mais uma questão das pessoas aceitarem e
entenderem e pensarem: “Bem, poderia provavelmente ser até uma vantagem ter essa
característica de não pensar muito sobre o que as outras pessoas pensam sobre você. Em
vez de ficar a pensar sobre isso, pensar: “Eu preciso fazer isso agora, vou me concentrar
nisso, vou fazer isso.”
Penso que algumas das maiores descobertas, algumas das grandes descobertas históricas
foram feitas por pessoas com Síndrome de Asperger e claramente em Artes e Música tem
havido muitas pessoas com este tipo de personalidade, com problemas importantes de
comunicação social. Wittgenstein. Einstein, Kandinski, Bartok são alguns deles. Outro bom
livro sobre o assunto é o de Michael Fitzgerald, um psiquiatra infantil de Dublin, que
escreveu sobre os homens mais famosos da História, sugerindo que todos eles tinham
Síndrome de Asperger.
Perguntas da platéia:
1. O que o senhor quer dizer quando afirma que as pessoas com Síndrome de Asperger, são
capazes, sim, de empatia, mas não foram treinadas?
Primeiro preciso esclarecer que a empatia é provavelmente uma função do
desenvolvimento, como todas as outras funções da natureza humana, é uma função que
pode ser desenvolvida. Quando a empatia foi inicialmente discutida por Utah Frith e Simon
Baron-Cohen, talvez como equivalente à Teoria da Mente, foi inicialmente considerada
como um atributo que você tem ou não tem, mas as pesquisas mais recentes têm
demonstrado que ela pode ser desenvolvida. A maioria das crianças com autismo nascem
sem habilidades pré-empatia e não as apresentam até quando um pouco mais velhas, mas
então, gradualmente, começam a desenvolvê-las – o que uma criança normal começa a ter a
partir dos 6 meses, em crianças com autismo aparece aos 6 anos. Esse período, do
nascimento até a idade pré-escolar é muito importante do ponto de vista de sociabilização,
quando a criança deve interagir constantemente com outras crianças e adultos e desenvolve
as suas habilidades sociais de maneira muito intuitiva e rápida. No entanto, se a criança tem
autismo, em quem essa habilidade de empatia aparece não aos 6 meses, mas aos 6 anos,
esse período de “treinamento” é perdido. Se pensarmos se existe o mesmo tipo de “janela”
que existe para o desenvolvimento da visão. Não se sabe quando essa “janela” aparece, mas
eu penso que é muito óbvio, pelo menos para as pessoas com Síndrome de Asperger, que se
forem testadas aos 15-16 anos de idade mostram o mesmo nível de habilidades de empatia
dos seus coetâneos “normais” se você testá-los com lápis e papel, mas levam mais tempo
para chegar às mesmas respostas. Pensando-se em ambientes sociais, talvez pareça que não
estejam a entender o que se passa, mas, sim, eles estão a entender muito bem, mas levam
mais tempo para processar, o que os torna fora de sincronia com o resto do grupo.
Principalmente em situações de grupo. Clinicamente é muito claro que uma pessoa com
Síndrome de Asperger é normalmente muito boa em empatia, principamente depois dos
dez-doze anos de idade; numa conversa um para um. Conversando individualmente, o
médico ficará surpreso pela sua capacidade de empatia, e talvez pensará que aquela pessoa
não tenha autismo e problemas com empatia - ela realmente não tem do ponto de vista
cognitivo, mas não consegue usá-la de maneira rápida. Pensando numa interação em grupo,
mesmo de 3 pessoas, a lentidão no processamento torna-se um problema muito limitante, já
que essas habilidades teriam que ser usadas de maneira muito rápida, isto é, saber o que
significa um sorriso ou um olhar e de que é que se está a falar e processar isso em milésimos de
segundos e então responder socialmente. Com alguns dos meus pacientes, a comunicação
um a um durante a consulta é muito tranqüila, não sinto nenhum problema de comunicação.
Mas se alguém entra na sala no fim da consulta e temos uma interação muito breve em três,
fica muito claro que o paciente fica confuso e depois acontece de me ligarem para dizer que
“quando você disse isso queria dizer aquilo”.
2. Quando ouvi falar de Síndrome de Kanner pela primeira vez, fins dos anos 1950 e
começo dos 1960, falava-se da teoria psicanalítica de que pais frios e inteligentes causavam
o autismo. O que o senhor pensa disso?
Acredito que Kanner nessa época, era extremamente influenciado pela psicanálise, o que
era comum entre os psiquiatras em 1940-50, e nesse contexto ele tentou desesperadamente
explicar o autismo. Kanner inicia seu primeiro trabalho publicado descrevendo algumas
crianças que nasceram sem a habilidade inata de estabelecer relações recíprocas e
interações afetivas e sociais. Quer dizer, ele começou falando de habilidades inatas, que não
poderiam ser produzidas pelas mães, mas então ele mudou sua opinião, dizendo que isso
era causado pelas mães. Até 1966 ele manteve essa postura, quando então resolveu
“absolver” os pais, dizendo “eu os absolvo da culpa”, um tipo de postura divina. Hoje em
dia considero que teria sido muito melhor que Kanner não tivesse publicado aqueles
trabalhos, já que contêm muitas especulações. Os trabalhos de Asperger estão muito mais
de acordo com o que pensamos do autismo atualmente; ele afirmou no seu primeiro
trabalho que pensava que os problemas descritos provavelmente seriam causados por
problemas genéticos ou danos cerebrais ocorridos durante a gravidez. Kanner nos
desorientou por muitos anos. A psicanálise não nos ajuda a explicar o autismo. A terapia
psicanalítica, se for limitada à interpretação e simbolização não é benéfica e há boas
evidências que pode ser prejudicial para as crianças e suas famílias.Não deve ser a base nas
intervenções em autismos.
3. Eu sou neurologista e trabalho com aspectos genéticos e erros inatos do metabolismo;
sempre tenho problemas em aconselhar famílias e médicos sobre os exames mínimos a
fazer em crianças com autismo. A gente pensa: estudos cromossômicos, sim, X Frágil,
pode ser. E os erros inatos do metabolismo? Todos os mêses aparece um novo transtorno ao qual
o autismo pode estar associado e provavelmente são transtornos muito raros. Eu sei que
não existe uma lista pronta, mas é razoável, quando se trabalha com uma condição que tem
uma ampla variedade de pontos de partida, ter uma base do que deve ser feito.
Segunda questão: Estudos genéticos em autismo são muito complicados, porque está
lidando com um transtorno que é bastante comum, e com muita variabilidade a muitas
outras condições. Mesmo quando você está tratando com irmãos, que seriam as ideais,
alguns pares podem estar associados por acaso, porque você está trabalhando com 1% de
traços autísticos na população e no máximo 3% dos membros da família terão as mesmas
características.
3.1. Há algumas boas diretrizes do que deve ser feito ou não para exames clínicos e
laboratoriais em casos de autismo: algumas delas estão publicadas no livro Biologia das
Síndromes Autísticas (Biology of Autistic Syndromes) e particularmente no mais recente
livro de Mary Coleman, Neurologia do Autismo (The neurology of autism), que acabou de
ser publicado Mas em linhas gerais, eu diria:
a. Crianças menores de 10 anos, com sintomas de autismo clássico, com retardamento
mental grave com QI menor que 50, eu incluiria sempre uma pesquisa para análise
genética Síndrome de X Frágil (gene FMR 1) , pesquisar Síndrome de Angelman, que tem
sido ignorada em muitos casos porque se pensa que esta síndrome esteja sempre associada à
incapacidade de caminhar de maneira independente, o que não é verdade, há crianças com
esta síndrome que caminham bastante bem. Se houver qualquer indicação de epilepsia, de
lesões de pele de qualquer tipo, faria uma neuroimagem (Ressonância magnética), o
que quase sempre exige anestesia geral e muitos pais ficam relutantes e o médico deve
refletir se o neuroimageamento é absolutamente necessário.
b. Casos com criança por volta de 10 anos, especialmente com inteligência normal, a coisa
importante é procurar se há AS na família ou problemas parecidos – isso pode diminuir a
necessidade de outros exames.
Penso que o mais importante para todas as crianças com autismo é ter acesso a um médico
especialista, pelo menos a um pediatra, neurologista infantil ou psiquiatra infantil muito
bem treinado que pelo menos bem informado sobre o autismo: a avaliação clínica aqui é a
chave . Alguém muito bom nessa área deve avaliá-la. Minha maior preocupação é que isso
não vem acontecendo atualmente. Esse profissional bem informado, com uma destas listas,
pode pensar quais transtornos devem ser pesquisados.
3.2. Aconselhamento genético – Não é possível entrar em muitos detalhes agora, mas
acredito que deva sempre haver uma conversa pessoal do médico com os os pais onde se
esclareça que há um maior risco de ter outros filhos com transtornos do espectro do
autismo, mas isso depende do que o médico sabe da condição subjacente ao autismo. Por
exemplo, se for comprovada a Síndrome do X Frágil ou a Esclerose tuberosa o
aconselhamento genético deverá ser outro. Mas em 80% dos casos, o médico não terá
nenhuma pista sobre a condição subjacente e então deve se apoiar nos dados estatísticos.
Deve dizer aos pais que mesmo havendo um risco muito maior que a média, há uma chance
de 95% que não haja outro caso de autismo clássico e 80 a 85% de chance de que não haja
outro caso de um transtorno do espectro do autismo e eles terão que decidir se terão mais
filho. A maioria dos pais que tiveram um filho com autismo tendem a ter muito menos
filhos. A grande maioria dos pais resolvem parar de ter filhos quando sabem que existe um
risco aumentado de terem mais filhos com problemas relacionados. Mas outros, mais
esperançosos, resolvem ter, e eu acho razoável pensar que existe a probabilidade de mais
de 80% de isso não acontecer. Mas esta é uma área muito complexa.
Há 5 a 6 anos atrás as pessoas estavam muito entusiasmadas sobre a nova genética,
pensando que se conheceriam todos os genes - 3 a 6 genes, quando se trabalhava com o
pressuposto de uma ocorrência 4 em 10.000. Pensar em 3 a 6 genes seria razoável para uma
prevalência de 4 em 10.000, mas na frequência que tem se constatado agora, não pode ser
assim. Se pensarmos por exemplo, na probabilidade de 50 genes envolvidos: a modelagem
estatística então teria que ser feita pensando na possibilidades de que esses genes se
combinem em trios, seriam milhões de combinações. Não sei se isso poderá nos ajudar do
ponto de vista clínico, penso que stá ficando cada vez mais complicado.Infelizmente....
4. Em 1983 eu conheci em Buenos Aires um psiquiatra que tinha uma escola para crianças
com autismo onde usava musicoterapia e contatos com animais de estimação em uma minifazenda.
O que o senhor pensa disso?
Acho que a musicoterapia, se não for aplicada como forma de “curar” o autismo, mas como
uma maneira a mais de melhorar a sua vida, pode ser fantástica.Depende também do
musicoterapeuta, que não deve dizer que a musicoterapia curará o autismo, transformará a
criança em outra pessoa Isso é perigoso, um grande erro. Nunca conheci alguém que se
curou, mas conheço muitas que adoram a musicoterapia e se beneficiam muito dela. Para
outras crianças a musicoterapia pode ser terrível, há crianças que não suportam certos sons
e permanecem tapando os ouvidos ou ausentes durante toda a sessão. O terapeuta pode
achar que tem que insistir, que vai demorar, daqui a 2 anos ele vai mudar. Eu não acredito
nisso. Se perceber que a criança com autismo está muito infeliz por várias semanas, você
deve pensar em desistir seja qual for a abordagem empregada.Muitas vezes as pessoas
continuam insistindo, porque é assim mesmo, demora. É verdade, demora. Pode demorar
meses, anos.Mas se a criança permanece a sofrer por meses deve-se repensar aquele tipo de
terapia para aquela criança.
O mesmo acontece para terapia com animais. Para algumas crianças, o contato com animais
pode ser muito benéfico, os animais não exigem o mesmo tipo de comunicação que as
pessoas e podem se comunicar de outras maneiras, mas outras que permanecem em estágios
muito primitivos e podem fazer coisas terríveis para os animais, sem saber que estão
maltratando o animal. Ou seja , o tratamento deve ser muito individualizada.
O ponto principal é que não há um conceito terapêutico que sirva para todas as crianças,
deve ser explorado um conjunto de possibilidades.
Para organizar um bom serviço de atendimento para pessoas com autismo, primeiro deve-se
pensar na equipe diagnóstica: deve haver médicos especialistas, o ideal seria um
neurologista , pediatra e psiquiatra infantil , sempre deve haver sempre um psicólogo e
sempre alguém da área de educação.Pode haver mais profissionais, mas estes são essenciais
para um bom diagnóstico.
Sobre terapias: Eu penso que é absolutamente errado dizer, por exemplo, que a Análise do
Comportamento Aplicada (ABA- Applied Behavioral Analysis) vai resolver o problema,:
todas as crianças precisam de 40 horas semanais ou mais.Ou o TEACCH (Treatment and
Education of Autistic and Related Communication handicapped CHildren – Tratamento e
Educação de Crianças com Autismo e com Deficiências de Comunicação Relacionadas)
vai resolver tudo, vai ser fantástico para todos tirar a criança do autismo. Ou Musicoterapia
é a única coisa a fazer. Ou Terapia Psicanalítica. Só não acredito em Psicanálise
Tradicional ou em Ludoterapia centrada exclusivamente na interpretação do
comportamento da criança. Não acredito em comunicação facilitada, há muitos trabalhos
mostrando que é um conceito completamente equivocado. Há uma série de terapias que
podem ser usadas e é bom que se conheça sobre elas. PECS (Sistema de Comunicação por
Troca de Figuras – Picture Exchange Comunication System), por exemplo: alguém da
equipe deve conhecer esse sistema. Mas não pense que porque a criança está fazendo
Musicoterapia, por exemplo, ela não precisa de mais nada.
De novo: o mais importante é que as pessoas que se relacionam com a pessoa com autismo
conheçam muito mais sobre o autismo, os professores saibam quais as suas principais
características. Para que não haja pessoas que digam às pessoas com autismo: você deve
mudar, você deve tornar-se sociável! Você não diz para uma criança cega: você tem que
ver. A sua deficiência social e de comunicação é tão real como a cegueira: assim como
você não força um cego a ver, você não pode forçar as pessoas com autismo a ser o que
não são.
*********
Fonte:aqui



ENTREVISTA DA REVISTA ÉPOCA AO DR. CHRISTOPHER GILLBERG
(adaptei para Português)

Época - A vacina tríplice viral dada aos bebés aos 15 meses pode provocar autismo? 
Christopher Gillberg -
 Vários estudos demonstram que essa relação não existe. Mas nos últimos seis anos o tema foi um dos principais assuntos da imprensa britânica. Quase todas as semanas há pelo menos uma notícia a falar em epidemia de autismo e a culpar a vacina. A imprensa ajudou a criar o pânico, que está a derrubar os índices de imunização no Reino Unido (de 92% em 1996 para 82% em 2003). É uma irresponsabilidade.

Época - O artigo científico que deu origem a essa polêmica foi renegado pelos próprios autores? 
Gillberg -
 No início de março, o periódico The Lancet publicou uma retratação assinada por dez dos 13 autores do artigo original (de 1998) que desencadeou a polêmica. Eles reafirmaram que não foi possível estabelecer nenhuma relação entre o autismo e a vacina tríplice, também conhecida como MMR, porque a amostra utilizada (apenas uma dúzia de crianças) era insuficiente.

Época - O estudo foi malfeito? 
Gillberg -
 O trabalho estava correto, mas as conclusões tiradas a partir dele foram equivocadas. A coisa foi tão maluca que os jornalistas perguntaram ao primeiro-ministro Tony Blair se ele havia vacinado o filho Leo. Ele negou-se a divulgar qualquer informação sobre a vida pessoal do garoto, o que acho correto. Mas a recusa de Blair em responder foi interpretada como uma evidência de que o garoto não havia sido vacinado. A queda nas taxas de vacinação trouxe de volta o sarampo, que estava sob controlo havia 20 anos.

Época - Há mais crianças autistas hoje do que 30 anos atrás? 
Gillberg - 
Acredito que não. Estima-se que 0,2% da população seja acometida pelo autismo típico e que 0,8% apresente sinais mais brandos do distúrbio. Isso significa que 1% das pessoas desenvolve alguma forma de autismo. Os estudos demonstram que esse índice é muito similar ao verificado nos anos 70. As pessoas passaram a prestar mais atenção ao assunto e novos critérios aumentaram o número de diagnósticos corretos.

Época - Não está a despontar, portanto, uma epidemia de autismo? 
Gillberg - 
Não existe nenhuma evidência de que os casos estejam a aumentar. Mas há vários sinais de que as mudanças nos critérios de diagnóstico influenciaram os números. Eu mesmo, quando tinha 25 anos e comecei nesse campo, provavelmente não percebi que muitas das crianças atendidas por mim eram autistas. Um bom número dos pacientes diagnosticados erroneamente como portadores de retardo mental ou transtorno do déficit de atenção atualmente seria considerado autista.

Época - O milionário Bill Gates (dono da Microsoft) pode ser considerado autista? 
Gillberg - 
Não posso afirmar isso porque nunca o encontrei pessoalmente. Até onde sei, nunca recebeu diagnóstico. Mas muita gente séria vê nele sinais da síndrome de Asperger, forma mais branda de autismo. Em geral, os portadores são muito formais, fixados em alguns assuntos, bitolados. Há pessoas brilhantes que apresentam os sintomas. O cientista Albert Einstein, por exemplo. Baseado nas biografias que descrevem o comportamento dele, acredito que tinha Asperger.

Época - Qual é a percentagem de autistas que conseguem estudar e seguir uma carreira? 
Gillberg - 
Se considerarmos apenas as crianças que sofrem de autismo típico (graves desvios de comunicação, interação social e dificuldades no uso da imaginação), muito poucas conseguem seguir carreira. Mas, se pensarmos no autismo de forma mais ampla e incluirmos os que têm Asperger, muitos vão à universidade. Existem pessoas com todos os sintomas de autismo, mas que conseguem conviver em sociedade. Nas melhores universidades há professores com indícios de Asperger, mas a maioria não recebe o diagnóstico.

Época - Eles convivem bem com essa condição? 
Gillberg - Os autistas típicos, que apresentam grandes problemas de comunicação verbal, enfrentam muitas dificuldades. Sem boa linguagem, essas pessoas não conseguem comunicar e enquadrar-se na sociedade. Por outro lado, alguns pacientes com habilidades satisfatórias de linguagem podem viver muito bem. Os portadores de Asperger que procuram nosso grupo na Suécia apresentam graves problemas, mas não representam o que acontece com todos.
Época - Que tipo de problemas? 
Gillberg - 
Inúmeras dificuldades de interação social. Os pacientes não se enquadram em nenhum lugar. São pessoas estranhas, originais demais, esquisitas. A linha divisória é saber se a criança consegue lidar com a escola sem sucumbir a pressões do cotidiano. Se ela é capaz de acompanhar as aulas apesar dos sintomas de Asperger, provavelmente terá sucesso no futuro. Muitos tornam-se professores universitários, matemáticos, engenheiros, advogados.

Época - Os casos de autismo estão a aumentando no Vale do Silício, o paraíso das empresas de tecnologia nos Estados Unidos? 
Gillberg -
 Esqueça isso. É impossível saber se houve um aumento no número de casos naquela região. Afinal, ninguém sabe quais eram os índices há 40 anos. Caso realmente tenha ocorrido um crescimento na prevalência de autismo, isso não tem nada a ver com as condições ambientais, e sim com o tipo de profissionais que as empresas do Vale do Silício disputam.

Época - Como assim? 
Gillberg - 
A região atraiu muitos engenheiros, especialistas em tecnologia da informação, que podem ser pessoas com Asperger. Mas de forma alguma isso significa que tenham virado autistas ao chegar ao Vale do Silício. Os estudos têm demonstrado que pessoas com Asperger e outras formas de autismo que obtêm sucesso na vida adulta preferem carreiras como Matemática, Engenharia e Informática. Justamente os profissionais que aquelas empresas procuram. Se pessoas com a síndrome se conhecem no Vale e se casam, é bastante provável que transmitam a herança genética do autismo aos filhos.

Época - O que há de novo no entendimento da doença? 
Gillberg -
 Em primeiro lugar, autismo não é doença. Trata-se de um distúrbio de desenvolvimento que pode ser causado por uma série de outras doenças e determinado por alterações genéticas em vários cromossomas. Alguns casos são atribuídos a drogas teratogênicas (como a talidomida) consumidas pela mulher grávida ou ao excesso de bebida alcoólica na gestação. Metais pesados como chumbo, mercúrio e outros materiais também parecem danificar o cérebro e levar ao autismo. Mas fatores genéticos determinam a maioria dos casos. Um dos pais carrega dois genes envolvidos numa maior suscetibilidade ao distúrbio. O outro cônjuge carrega outros três. O autismo pode ser fruto da combinação infeliz desses genes.

Época - O senhor poderia dar-nos um exemplo dessa combinação infeliz? 
Gillberg -
 Imagine que a criança herda do pai genes que favorecem o comportamento rigoroso, a extrema meticulosidade, incríveis habilidades matemáticas e certo pedantismo (característica de várias pessoas com Asperger). Junto com isso, ela recebe da mãe algum gene relacionado à determinação quase obsessiva. Isoladamente, esses genes poderiam influenciar o surgimento de características positivas. Quando combinados, porém, produzem a síndrome. Hoje sabemos que o autismo é geralmente genético. Não tem nada a ver com o ambiente psicossocial. Antes, a culpa recaía sobre os pais. Acreditava-se que as crianças  se tornavam autistas porque não eram amadas. Essa visão tornou-se ultrapassada quando surgiram os estudos genéticos.

Época - Essas descobertas podem melhorar os tratamentos? 
Gillberg - 
Hoje é possível identificar as diferentes síndromes que caracterizam o autismo. E há um grande investimento para descobrir os genes relacionados a elas. O contingente de 1% das pessoas portadoras poderá ser dividido em subgrupos e receber tratamentos mais específicos. Mas não acredito no surgimento de uma solução maravilhosa que possa curar todos os casos de autismo.

Época - O que é que os pais podem fazer para ampliar as perspectivas da criança autista? 
Gillberg - 
Não existe um remédio que seja útil para todos os pacientes. Muitas vezes o melhor a fazer é evitar a medicação. Mas escolas especializadas, como a Associação de Amigos do Autista (AMA), oferecem educação personalizada e intervenções interessantes na forma de comunicação. Infelizmente, os governantes ainda não perceberam que o autismo é um grande problema...

Fonte aqui

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